A Música que Cura: Quando o Som se Torna o Melhor Terapeuta

O som está a revolucionar a terapia mental de forma discreta mas poderosa. De playlists personalizadas com inteligência artificial a vibrações que dissolvem traumas, a música revela-se mais eficaz do que muitos fármacos.

A Descoberta que Mudou Tudo

Em 2018, um estudo do Imperial College London (ICL) revelou algo surpreendente sobre terapia psicadélica: a música importa mais do que a própria droga no tratamento com substâncias psicoativas. Os resultados mostraram que a exposição à música, e a qualidade dessa experiência musical, foi determinante para prever quais pacientes melhorariam da depressão após a terapia com psilocibina. 

Os investigadores analisaram 19 pacientes com depressão grave e descobriram que quem teve uma experiência musical mais emocional e conectada reduziu os sintomas da doença em 65%, enquanto quem achou a música irritante ou distante melhorou apenas 15% – independentemente de quão forte foi o efeito da droga. Matematicamente, a música ajudou a explicar 38% dos resultados do tratamento, tornando-se o principal indicador do sucesso terapêutico. Esta descoberta, apelidada de “the hidden therapist”, comprovou que a música importa mais do que a própria substância psicadélica. 

A jornalista canadiana Zoe Cormier, autora do artigo “How Psychedelic Music Can (Literally) Transform Your Mind” (2023), testou esta teoria pessoalmente após a morte da mãe. Durante seis horas, deitada com auscultadores e uma playlist personalizada da Wavepaths (uma plataforma que produz música personalizada para uso terapêutico), combinada com a ingestão de 4-AcO-DMT (um psicadélico semissintético), viveu uma catarse profunda: “As seis horas que passei neste estado foram indescritivelmente dolorosas – e, em última análise, catárticas. Estou imensamente contente por ter dedicado este tempo porque, como sempre, a experiência proporcionou insights fenomenalmente curativos. […] Senti uma profunda sensação de conexão e clareza, como se finalmente conseguisse processar o luto de uma forma que antes não conseguia”, descreveu no referido artigo.

Playlists do Passado vs Tecnologia do Futuro

Autora de vários artigos sobre as propriedades terapêuticas do som (“Music As Medicine”; “My Psychiatrist Is A DJ”), Zoe Cormier explica que, durante décadas, as terapias psicadélicas usaram playlists fixas de música clássica – Mozart, Bach, Vivaldi – criadas nos anos 60. Mas estas listas têm limitações sérias. “Quase todas as estrofes de música que ouvi numa ‘cerimónia’ psicadélica me irritaram profundamente. Ópera exagerada não me faz nada, e trechos de Sigur Rós — que já ouvi mil vezes (e nunca gostei desde o início) — deixam‑me aborrecida e irritada”, escreveu a canadiana em 2022.

Um participante anónimo de um estudo do ICL em 2016 foi ainda mais duro ao criticar a presença de composições de Wagner, associado ao nazismo, nas playlists da Johns Hopkins University (JHU), que ainda usa as listas originais da década de 60 nos processos terapêuticos. “Há algo malevolente nelas… porque foram concebidas para serem nacionalistas e patrióticas.”

Contrariando a ideia de que só música suave cura, Zoe Cormier descobriu o poder da música pesada no luto. “Gritar e chorar com as músicas mais altas e zangadas do mundo libertou mais dor do que qualquer faixa ambiente”, revelou em “Music As Medicine”. Ministry, Nirvana e Nine Inch Nails foram os seus aliados terapêuticos.

@sandrasofiatiterapias

O Corpo Sonoro de Sandra Sofiati

No Brasil, a psicóloga Sandra Sofiati desenvolveu uma abordagem revolucionária chamada Corpo Sonoro. “O meu interesse em unir Psicologia e Música levou à criação deste método único”, explica no seu site oficial. Formada pela PUC-SP em 1978 e especialista em Bioenergética, Sandra estudou tradições xamânicas na América Latina durante décadas.

O Corpo Sonoro usa vibrações sonoras para dissolver tensões musculares crónicas que guardam traumas emocionais. “Sons vocais contínuos sintonizam o canal certo para harmonizar o som interno do indivíduo”, ensina Sandra nas suas formações no México, onde lidera o retiro “México Sagrado” desde 1997.

O Corpo Sonoro baseia-se na utilização de vibrações sonoras como ferramenta terapêutica para identificar e dissolver tensões musculares crónicas, que muitas vezes funcionam como depósitos de traumas emocionais acumulados ao longo da vida. Durante as sessões, os participantes são convidados a emitir tons vocais contínuos e prolongados, explorando diferentes frequências e intensidades da voz, enquanto realizam movimentos corporais ondulatórios, inspirados nas práticas da bioenergética. Esta combinação de som e movimento permite uma integração profunda entre corpo e mente, facilitando a liberação de emoções reprimidas, aumentando a consciência corporal e promovendo uma sensação de equilíbrio interno.

Relatos de participantes e formandos indicam que, ao longo de apenas algumas sessões, é possível observar uma redução significativa da ansiedade, assim como maior sensação de relaxamento, clareza emocional e bem-estar geral. Sandra também leccionou no SENAC (2001-2005) na Pós-Graduação em Dinâmicas Corporais, onde a disciplina “O Corpo Sonoro” se tornou referência.

O Entrainment: Como o Som “Reprograma” o Teu Cérebro

Imagina o teu cérebro como uma orquestra de 86 mil milhões de neurónios a tocar ao mesmo tempo, mas completamente dessincronizados – como músicos a tocar ritmos diferentes. O “entrainment” é como um maestro que entra e impõe um único compasso: de repente, todos começam a tocar juntos. Quando ouves um som a 40 Hz (40 batidas por segundo), as ondas cerebrais gama do teu cérebro – responsáveis pela atenção focada e processamento de informação – começam automaticamente a oscilar à mesma velocidade.

Estudos com eletroencefalografia (EEG) mostram que, após apenas 8-15 minutos de exposição a uma frequência específica, 50-70% das regiões cerebrais correspondentes entram em sincronia. É como se o som criasse um “GPS neural” que guia as diferentes partes do teu cérebro para trabalharem em harmonia, reduzindo o “ruído” mental que causa ansiedade, confusão ou falta de foco. 

Os batimentos binaurais são provavelmente a aplicação mais acessível deste fenómeno. Funciona assim: colocas auscultadores e ouves 200 Hz no ouvido esquerdo e 206 Hz no direito. O teu cérebro não ouve duas frequências separadas – ele calcula a diferença (6 Hz) e cria uma terceira frequência “fantasma” directamente no córtex auditivo. Esta frequência de 6 Hz (ondas theta) corresponde ao estado cerebral de meditação profunda. Estudos mostram que, após 10 minutos de batimentos binaurais theta, a atividade da amígdala (centro do medo) reduz-se em 20-30%, enquanto a conectividade entre o pré-frontal (raciocínio) e o hipocampo (memória emocional) aumenta. É por isso que 15 minutos diários podem reduzir ansiedade crónica, melhorar sono e até ajudar no processamento de traumas – tudo através de uma simples ilusão auditiva que o teu cérebro interpreta como real. 

Mas o caso mais impressionante talvez seja o impacto da frequência 40 Hz em pacientes com doença de Alzheimer. Durante décadas, os cientistas tentaram “lavar” o cérebro de placas amiloides tóxicas – agregados proteicos anormais que se acumulam no cérebro, sendo a principal causa da doença de Alzheimer – mas sem sucesso. Então, em 2016, investigadores do MIT descobriram algo revolucionário: quando ratos foram expostos a luz piscando a 40 Hz, as suas células imunes cerebrais (chamadas micróglia) ativaram-se como nunca antes. Estas micróglia funcionam como “limpadores” do teu cérebro: comem e eliminam detritos tóxicos. Normalmente, estão “adormecidas” em pacientes de Alzheimer, deixando as placas amiloides acumularem-se. Mas a 40 Hz, elas acordam e trabalham 3 vezes mais rápido, removendo 40-55% mais resíduos em apenas 7 dias. Um estudo de 2023 publicado no Journal of Alzheimer’s Disease confirmou: pacientes que ouviram sons a 40 Hz durante 1 hora por dia preservaram 28% mais substância branca (as “estradas” que conectam as regiões cerebrais), melhorando memória e orientação espacial.

Em resumo: O som não “acalma” o teu cérebro – ele reorganiza-o, sincronizando regiões desconexas e ativando sistemas de limpeza natural, tudo através de frequências precisas que imitam os ritmos saudáveis do cérebro jovem e funcional.

Um Novo Paradigma Terapêutico

As evidências clínicas são avassaladoras: o rastreamento rítmico auditivo (RAS) melhora a marcha pós-AVC em 30%, segundo múltiplos estudos; bebés prematuros ganham peso mais rapidamente com música na UCI; pacientes em cirurgias espinhais precisam de 25% menos anestésico; e na reabilitação neurológica, a “melodic speech therapy” (uma técnica de reabilitação neurológica que usa melodia, ritmo e canto para recuperar a capacidade de falar) devolveu a fala à congressista norte-americana Gabby Giffords após um tiro na cabeça em 2011. 

Zoe Cormier resume a revolução: “Se a palavra ‘psicadélico’ significa ‘manifestar a mente’, então a música é o psicadélico definitivo, e uma forma de medicina por direito próprio”, escreve a jornalista em “Music as Medicine”.

Sandra Sofiati complementa esta visão: cada pessoa tem um “som interno único” que tem de ser harmonizado.

Com investimentos milionários e estudos clínicos robustos, a musicoterapia deixa de ser alternativa para se tornar convencional. Hospitais, clínicas e até apps de smartphone oferecem agora protocolos baseados em evidências. A música, presente em todas as culturas humanas desde há 40000 anos, revela o seu verdadeiro potencial: não apenas entretenimento, mas medicina. De flautas pré-históricas a algoritmos de IA, do “entrainment” à neuroquímica, o som continua a curar gerações, oferecendo uma “farmácia pessoal” acessível para Alzheimer, ansiedade e bem-estar quotidiano.

A revolução sonora está em curso. Resta saber quem será o próximo a descobrir o poder transformador de uma frequência certa, no momento certo.

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