Da África à América Latina: A Biosfera em Foco na Era da COP30

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Enquanto a COP30 chegou ao fim em Belém do Pará, exemplos de conservação mostram que o futuro da sustentabilidade já está a ser escrito no território

Em Belém do Pará, às margens da floresta que o mundo tenta compreender e preservar, a COP30 abriu com contrastes intensos: grandes compromissos climáticos dividiam espaço com denúncias, manifestações e tensões entre agendas oficiais e a realidade local.

O ponto alto da COP: Fundo Florestas Tropicais para Sempre

Pela primeira vez, a conferência acontece junto à Amazónia (entre os dias 10 e 21 de novembro) — quase como um reencontro com o espírito da Rio-92 — e o cenário deixou claro o que está em jogo. A cúpula reuniu cerca de 31 chefes de Estado e governo, quase metade do ano anterior, e os Estados Unidos não enviaram representação oficial. Ainda assim, o tom foi de urgência, pressão popular e exigência de coerência.

No discurso de abertura, o presidente Lula apresentou o Fundo Florestas Tropicais para Sempre, uma das principais novidades da conferência. Desenhado para pagar países que preservam as suas florestas de pé, o fundo já ultrapassa US$ 5,5 bilhões em compromissos iniciais com apoio de 53 países, incluindo US$ 3 bilhões da Noruega ao longo de 10 anos, US$ 1 bilhão do Brasil e outro da Indonésia, e € 500 milhões da França até 2030. Países como Portugal (US$1 milhão) e Países Baixos (US$5 milhões para secretariado) também entraram nas promessas iniciais. 

O modelo prevê pagamentos condicionados à estabilidade da cobertura florestal, monitorada por satélites, e reserva pelo menos 20% dos recursos para povos indígenas e comunidades tradicionais. O TFFF pretende beneficiar cerca de 70 países tropicais e a repartição dos rendimentos seguirá resultados ambientais comprovados — uma tentativa de transformar conservação em investimento contínuo e previsível.

A COP marcada por protestos e contradições

Enquanto a cúpula aconteciam na Blue Zone, como é chamada, as vozes das ruas ecoaram com força, denunciando contradições que vão além de discursos bem articulados.

Logo no primeiro dia, dezenas de pessoas deitaram-se no chão da entrada do evento, simbolizando os ativistas ambientais assassinados na América Latina, a região mais letal do mundo para defensores da floresta, e o ato ganhou grande repercussão. Outro momento que ficou marcado no pavilhão da COP, foi a manifestação cultural do Cordão da Bicharada, que é um tradicional desfile do Carnaval de Cametá, no Pará. Com figuras de animais amazónicos em tamanho gigante, denunciavam a destruição das florestas através da arte, ritmo e poesia. Já os indígenas Munduruku protagonizaram protestos ao exigirem participação ativa nas negociações, e apontando para a grave tensão entre preservação e exploração em seus territórios.

Além disso, no segundo dia da COP30, a Baía do Guajará virou cenário de uma das manifestações mais simbólicas do evento: a Barqueata da Cúpula dos Povos  com 200 embarcações que atravessaram cerca de 30 quilômetros. Entre cantos, cores e manifestações culturais, as embarcações reuniram cerca de 5.000 pessoas para lembrar ao mundo que a Amazónia não é abstrata  e levaram também críticas diretas ao processo oficial. Como afirmou o cacique Bepita Kayapó, da aldeia Pinknhtykre: “Lá na COP30, eles debatem o que vai acontecer com os territórios indígenas e com as florestas, lugares onde a gente mora e a gente cuida. Não são eles que estão lá, para depois virem dizer que cuidam.”

Outro protesto ganhou força nas ruas de Belém: as erveiras do Ver-o-Peso que se manifestaram contra a empresa Natura, ao acusá-la de utilizar os seus saberes tradicionais e insumos da floresta sem cumprir o acordo de repartição de benefícios firmado em 2006. Elas ocuparam as ruas para exigir que os seus direitos sejam respeitados, de acordo com os contratos firmados, e que a valorização da sociobiodiversidade  tão citada nos discursos da COP não seja apenas retórica.

O evento também foi palco de fortes críticas ao governo do Pará após o governador Helder Barbalho assinar, durante a cerimónia de abertura, um acordo de cooperação com a mineradora Norsk Hydro, a qual é acusada de contaminar rios e comunidades em Barcarena.

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A assinatura, que deveria reforçar ações contra queimadas, foi interrompida pela líder indígena Auricélia Arapiun, que chamou o gesto de “farsa”, lembrando que a Hydro responde por vazamentos de resíduos tóxicos no rio Murucupi desde 2018 e enfrenta processos no Brasil e na Holanda por danos ambientais e problemas de saúde causados às populações locais. O contraste entre a agenda climática da COP e a parceria firmada com uma empresa historicamente questionada fez o episódio ser visto como um exemplo de greenwashing institucional em pleno primeiro dia da conferência.

E por falar em greenwashing, ativistas ambientais destacaram a presença de mais de 1600 lobistas da indústria fóssil, correspondente a cerca de 1 em cada 25 participantes da conferência — um número recorde, segundo a Kick Big Polluters Out. Críticos da COP30 argumentam que esse domínio corporativo mina a credibilidade do processo climático, transformando parte das negociações em palco para influências económicas poderosas.

Por fim, problemas de infraestrutura também marcaram o evento que acabou ontem, dia 21 de novembro. Banheiros sem água, internet instável e preços abusivos na alimentação, que precisaram ser reduzidos em 20% após críticas generalizadas, sem contar o incêndio que ocorreu no último dia, no Pavilhão dos Países que é o principal espaço da conferência, na Blue Zone.

O governo brasileiro ainda enfrentou desconforto ao hospedar parte da comitiva presidencial em iates movidos a diesel, uma contradição evidente num evento voltado à agenda climática. 

Apesar das tensões, dos protestos e das contradições expostas em Belém, a COP30 deixou claro que nenhuma meta climática global se sustenta apenas em acordos multilaterais: ela depende da vida concreta dos territórios. E é justamente fora das salas Verde e Azul — nos rios, comunidades e florestas que seguem resistindo diariamente — que surgem exemplos mais sólidos de conservação.

As Reservas da Biosfera mostram isso com clareza: são espaços onde proteção ambiental, cultura local e desenvolvimento sustentável coexistem na prática, oferecendo ao mundo aquilo que a COP ainda tenta construir — modelos reais de futuro. É destes territórios que falaremos agora.

Afinal, o que são as Biosferas da Terra?

O termo biosfera pode ser entendido de duas maneiras. No sentido científico, refere-se à camada de vida do planeta — o conjunto de todos os ecossistemas, onde atmosfera, água e solo se encontram para sustentar a existência de seres vivos. Nessa definição, existe apenas uma: a biosfera global da Terra. Já para a UNESCO, o conceito ganha uma dimensão territorial. As Reservas da Biosfera, criadas no âmbito do programa O Homem e a Biosfera (MAB) em 1971, são áreas reconhecidas como “laboratórios vivos”, onde se experimentam formas de harmonizar conservação ambiental, desenvolvimento sustentável e saberes tradicionais.

Hoje existem mais de 784 Reservas da Biosfera em mais de 142 países, abrangendo florestas, desertos, montanhas, cidades e até arquipélagos inteiros. De acordo com a própria UNESCO, estas 784 reservas representam 5% da superfície terrestre. Elas mostram que sustentabilidade não é apenas proteger — é viver de forma integrada com o planeta, como estes exemplos abaixo.

São Tomé e Príncipe: um país inteiro como reserva da biosfera

Em 2024, São Tomé e Príncipe fez história ao tornar-se o primeiro país do mundo com todo o seu território reconhecido como Reserva da Biosfera da UNESCO. O país é hoje o exemplo máximo de que a escala não define o impacto ambiental, o compromisso sim.

Com uma área de pouco mais de 1000 km², o arquipélago abriga uma das maiores biodiversidades do Atlântico: aves endémicas, florestas tropicais e espécies vegetais únicas crescem sobre solos vulcânicos férteis.

Além da natureza, as comunidades locais mantêm práticas agroflorestais sustentáveis em plantações de cacau e café — um modelo de equilíbrio entre economia e ecologia.

 Serra da Arrábida (Portugal): entre o mar, a serra e a cultura

A Serra da Arrábida, entre Setúbal, Palmela e Sesimbra, foi recentemente reconhecida como Reserva da Biosfera da UNESCO, tornando-se uma das mais novas integrantes da rede mundial.

O território é um mosaico de falésias calcárias, vinhedos, olivais e praias, onde tradições centenárias convivem com ecossistemas frágeis. Com mais de 1400 espécies de plantas e uma rica vida marinha — incluindo os golfinhos do estuário do Sado —, a Arrábida simboliza a coexistência entre natureza, história e cultura portuguesa, além das outras 12 reservas em Portugal, a ser 6 no continente, 4 nos Açores e 2 na Madeira.

Yasuní (Equador): onde a vida ainda disputa espaço com o petróleo — mas avança passo a passo

O Parque Nacional Yasuní, no Equador, é uma das áreas de maior biodiversidade do planeta: um único hectare pode conter mais espécies de árvores do que todo o território dos EUA e Canadá juntos. Além da riqueza biológica, o Yasuní é lar de povos indígenas em isolamento voluntário, como os Tagaeri e Taromenane, cuja existência depende diretamente da integridade da floresta.

Em 2023, os equatorianos tomaram uma decisão histórica e aprovaram, por referendo, o fim da extração de petróleo dentro do parque, mesmo reconhecendo o peso económico dessa escolha para o país. A medida foi celebrada globalmente como um triunfo da democracia ambiental e da proteção dos povos originários.

No entanto, a implementação tem sido lenta. Organizações ambientais e movimentos indígenas têm criticado o governo pela demora em cumprir integralmente o resultado do referendo, já que parte das operações petrolíferas ainda permanece ativa enquanto o processo de desmobilização avança a ritmo gradual.

Apesar dos obstáculos, cada avanço neste processo reforça o papel do Yasuní como símbolo de coragem ambiental, soberania popular e da luta, ainda que em curso, para que vida, cultura e floresta prevaleçam sobre a lógica extrativista.

Okavango (Botswana): a sinfonia da água no deserto

O Delta do Okavango é uma das paisagens mais extraordinárias da África — e do planeta.
É um rio que morre no deserto, transformando o Kalahari num oásis pulsante de vida.

Reconhecido como Reserva da Biosfera e Património Mundial, o Okavango é lar de elefantes, búfalos, hipopótamos e mais de 400 espécies de aves. Lá, a preservação é também uma forma de prosperar.

Mas o verdadeiro segredo do sucesso do Botswana está no seu modelo de turismo sustentável: licenças limitadas, impacto controlado e participação ativa das comunidades locais.

Da COP30 à ação local: lições da biosfera global

Enquanto a COP30 trouxe luz para compromissos globais e debates políticos, as lições mais concretas estão nos territórios e nas comunidades que vivem a conservação na prática. Vemos que proteger a vida, valorizar saberes locais e equilibrar desenvolvimento e natureza é possível e urgente. 

É nesse diálogo entre políticas globais e ações locais que a Biosfera se revela: não como conceito distante, mas como um laboratório vivo que nos ensina que a verdadeira transformação climática começa com decisões humanas no território, na cultura e na vida quotidiana. E se um pequeno país africano pode ser todo uma reserva, se um parque latino pode renunciar ao petróleo, e se comunidades no sul da África vivem em harmonia com elefantes e rios, há motivos para esperança. Pois a biosfera não é um conceito distante, ela é o lar que compartilhamos.

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