A psicologia que vai além do prazer e do poder
Viktor Frankl desenvolveu a Logoterapia na década de 1940, inspirado pelas suas experiências nos campos de concentração durante a Segunda Guerra Mundial. Nascido em 1905, foi um neurologista, psiquiatra e filósofo austríaco.
A partir das vivências extremas nos campos nazis, percebeu que aqueles que encontravam uma razão de ser, mesmo nas circunstâncias mais cruéis, tinham mais chances de sobreviver física e emocionalmente. A sua abordagem tinha uma premissa simples, mas profunda: o principal motor do ser humano é a vontade de sentido (will to meaning).
Diferente de Freud, que defendia o princípio do prazer, e de Adler, que via a busca por poder como força motivadora central, Frankl introduziu uma terceira via: a busca por significado. A logoterapia — reconhecida como a terceira escola de psicoterapia vienense, depois de Freud e Adler — defende que o ser humano só encontra verdadeiro equilíbrio quando vive em direção a um propósito que transcende o ego e o imediatismo. Para ele, não é o prazer nem o poder que sustentam a existência, mas sim o sentido que atribuímos às nossas experiências, sobretudo nas circunstâncias mais difíceis.
Em 1946, ele publicou o livro “Man’s Search for Meaning” (Em Busca de Sentido), que relata essas experiências e sistematiza os princípios da Logoterapia, estabelecendo uma abordagem da psicologia existencial focada na busca pelo sentido da vida como principal motivador humano.
A Essência da Logoterapia
A Logoterapia, do grego logos (sentido), foca em ajudar as pessoas a descobrir e viver de acordo com os seus valores e propósito existencial, mesmo diante do sofrimento inevitável.
Frankl alertava que a frustração dessa busca gera a Neurose Noógena, cujo sintoma mais comum é o Vazio Existencial — o tédio profundo e a apatia que caracterizam a doença da nossa era. Para ele, o antídoto está na capacidade humana de encontrar valor na existência e esse significado pode surgir de três formas principais:
- Através do trabalho ou ação criativa: realizando algo significativo que contribua para o mundo (doar um talento).
- Através da experiência ou vivência: apreciando a beleza, o amor e a conexão com outras pessoas (receber algo do mundo).
- Através da atitude diante do sofrimento inevitável: escolhendo a postura que damos às circunstâncias que não podemos mudar.
Essa terceira via é central, pois permite-nos transformar a “Tríade Trágica” (Sofrimento, Culpa e Morte) em triunfo pessoal, conferindo um significado último até mesmo à dor.
Curando o Vazio Existencial: As Ferramentas Logoterapêuticas
Mesmo fora de contextos extremos, a Logoterapia oferece ferramentas poderosas para orientar a vida e superar crises existenciais. Entre elas, encontrar propósito no trabalho e nos projetos, perguntando-se “como isto contribui para algo maior?”, valorizar relações significativas e cultivar vínculos que tragam sentido e apoio emocional, e reformular desafios e perdas, de modo que, em vez de focar apenas na dor, se identifiquem oportunidades de aprendizagem e crescimento.
Atos de serviço e contribuição, ajudando o outro, também podem revelar um sentido que ultrapassa interesses pessoais imediatos.
Ele defendia que a liberdade última do ser humano é a capacidade de escolher a sua atitude diante de qualquer circunstância, por mais dura que ela seja. Essa escolha consciente de viver de acordo com um propósito maior é, segundo ele, o que confere profundidade e resiliência à vida.
Viktor Frankl identificou que o Vazio Existencial é o resultado de uma sociedade focada nos pilares do prazer imediato e do poder. Quando esses motivadores externos falham, a pessoa sente-se perdida. A Logoterapia oferece então ferramentas que revertem esse ciclo, reorientando a pessoa para a fonte interna de significado.
1. Desreflexão (O Foco Apropriado)
A ansiedade e o Vazio Existencial muitas vezes vêm da hiper-reflexão — pensar obsessivamente num desejo (como a felicidade) ou num sintoma. A Desreflexão é a técnica de desviar a atenção do problema ou do desejo para algo significativo no mundo externo.
– Aplicação Prática: Se estás obcecada em ser feliz (um desejo), redireciona a tua energia para um ato de serviço, como ajudar um vizinho ou focar num projeto criativo. A felicidade é um subproduto do sentido, e não um alvo a ser perseguido diretamente.
2. Intenção Paradoxal (Afrontando o Medo)
Esta técnica é usada principalmente para fobias e ansiedade de desempenho. Se o medo paralisa, o paciente é encorajado a desejar exatamente aquilo que mais teme. O paradoxo quebra o círculo vicioso de ansiedade e evita o sintoma, mostrando que podes ter uma atitude diferente diante do medo.
– Aplicação Prática: Se tens medo de falar em público e gaguejar, a técnica sugere que comeces o discurso desejando gaguejar ou errar. O medo perde o seu poder, pois removes a luta e o controlo de si mesmo.
3. Diálogo Socrático (Descobrindo a Missão)
A Logoterapia não dá um sentido à vida; ela ajuda o paciente a descobri-lo, pois Frankl acreditava que o sentido já está lá, esperando ser encontrado. O terapeuta usa o Diálogo Socrático para guiar o paciente através de perguntas sobre os seus valores, paixões e momentos de maior contribuição.
– Aplicação Prática: Faz um “inventário” de valores. Pergunta a ti mesma: “Se eu tivesse apenas um ano de vida, o que eu faria diferente hoje?” ou “Qual foi o momento da minha vida em que eu me senti mais útil para outra pessoa?”. As respostas apontarão para o teu sentido único.
Por que Viktor Frankl Continua Atual
Em tempos de incerteza, ansiedade e mudanças constantes, e onde o vazio existencial se manifesta como depressão e tédio, a Logoterapia oferece uma bússola interna. Mais do que estratégias de felicidade instantânea, trata-se de despertar para a missão que sustenta cada dia.
Com mais de 30 obras publicadas, a mais conhecida, Em Busca de Sentido, continua inspirando pessoas em todo o mundo a refletirem sobre o que realmente importa e como viver de maneira autêntica.
O seu legado lembra-nos que a vida nunca é apenas sobre conforto ou conquistas externas. É sobre como encontramos significado mesmo nas situações mais difíceis, como moldamos as nossas atitudes e escolhas e, assim, transformamos o nosso sofrimento em crescimento, a nossa rotina em vocação e a nossa existência em algo que vale a pena.