A trend do Ice Bath: Será que estás a fazer bem ao teu corpo — ou só a alimentar um hype?

  • Corpo
  • A trend do Ice Bath: Será que estás a fazer bem ao teu corpo — ou só a alimentar um hype?

Os ice baths — banhos de imersão em água gelada — tornaram-se uma das maiores tendências de bem-estar dos últimos anos. A promessa é tentadora: mais energia, menos inflamação, foco mental, recuperação muscular e até “resiliência emocional”. Entre vídeos virais, desafios de disciplina e rotinas matinais frias, a mensagem parece clara: todo o mundo deveria fazer.

Mas há uma questão essencial que raramente aparece entre as tendências do Instagram ou TikTok: os ice baths funcionam da mesma forma para mulheres e homens? E mais importante: fazem mal às mulheres?

A resposta curta é simples: não funcionam da mesma forma e podem sim causar problemas dependendo do ciclo menstrual, da saúde hormonal e da intensidade da exposição. A ciência confirma isto, embora este lado da história raramente seja contado nas redes.

O corpo feminino não responde ao frio como o masculino

A resposta ao frio é altamente influenciada por hormonas, composição corporal e sistema nervoso. E, neste ponto, o corpo feminino apresenta particularidades únicas.

A temperatura basal feminina varia ao longo do ciclo menstrual, elevando-se naturalmente na fase lútea, quando o corpo se prepara para uma possível implantação. Além disso, as mulheres costumam apresentar maior sensibilidade ao frio nas extremidades, resultado da forma como o fluxo sanguíneo é redistribuído para preservar os órgãos vitais.

Outro fator importante é que o stress térmico tende a provocar um impacto hormonal mais acentuado, elevando o cortisol de forma mais significativa em algumas fases do ciclo. A própria tireoide, responsável pelo metabolismo e pela termogênese, é mais sensível a oscilações bruscas de temperatura. Somado a isso, há ainda variações no fluxo sanguíneo pélvico e uterino que podem ser afetadas quando o corpo é submetido a temperaturas extremamente baixas.

Por tudo isto, uma imersão que parece “revigorante” para um homem pode representar um stress significativo para uma mulher, especialmente ao considerar a fase do ciclo menstrual.

O impacto no ciclo menstrual — e o que isso significa para a fertilidade

O frio intenso desencadeia uma resposta imediata no corpo: aumento de cortisol, vasoconstrição (estreitamento de um vaso sanguíneo devido à contração do seu músculo liso) e redução do fluxo sanguíneo periférico. Para muitas mulheres, esta combinação pode alterar o ritmo natural do ciclo menstrual. Não é raro que a imersão em água gelada provoque atrasos, ciclos mais irregulares, maior sensibilidade pré-menstrual e até interferência na ovulação, sobretudo em organismos mais reativos ao stress. A fase mais vulnerável é a lútea, o período entre a ovulação e a menstruação, quando o corpo intencionalmente mantém a temperatura interna mais elevada para sustentar um ambiente hormonal estável. O ice bath, ao resfriar o corpo de forma abrupta, vai na direção oposta do que a fisiologia feminina precisa nesse momento, exigindo um esforço adicional para recuperar o equilíbrio térmico e hormonal.

Este mesmo mecanismo explica por que a prática pode ser problemática para mulheres que estão a tentar engravidar. Durante o pós-ovulação, a progesterona precisa atuar de forma consistente, mas o aumento do cortisol gerado pelo stress térmico pode competir com esse processo. Além disso, a vasoconstrição causada pelo frio reduz temporariamente o fluxo sanguíneo uterino, comprometendo o ambiente ideal para quem está em fase de conceção ou a passar por tratamentos de fertilidade. Não significa que o banho gelado impeça a gravidez, mas pode dificultá-la, especialmente em mulheres com ciclos sensíveis ou histórico de irregularidades hormonais.

O que a ciência realmente diz (e o que as redes omitem)

Muito do discurso online afirma que o gelo reduz a inflamação, melhora a recuperação e é “bom para todos”. A ciência, no entanto, é muito mais complexa — e menos universal.

Estudos mostram benefícios reais, claro. A Cochrane Review concluiu que a imersão em água fria (< 15 °C) pode reduzir a dor muscular tardia (DOMS) nas 24‑96h após o exercício, embora os autores ressaltem que a qualidade dos estudos incluídos é baixa e que a segurança e os protocolos ideais ainda não estão bem definidos. Da mesma forma, uma meta-análise sistemática de 68 estudos observou que a imersão em água fria melhora a recuperação de força a longo prazo e a percepção de recuperação, embora os efeitos variem conforme o tipo de exercício realizado. Pesquisas mais recentes também sugerem efeitos positivos para o bem-estar mental: por exemplo, uma análise sistemática com metanálise em adultos saudáveis indicou que a exposição aguda à imersão fria (≤ 15 °C) reduz significativamente o stress nas 12 horas seguintes, além de afetar positivamente a energia e o foco. 

Mas há limites importantes

Um estudo bastante revelador usou biópsias musculares para comparar a resposta pós-treino entre recuperação ativa e imersão em água fria de 10°C por 10 minutos. Os resultados mostraram que o banho de gelo não reduziu a inflamação nem alterou as proteínas de stress celular, com efeitos quase idênticos aos da recuperação ativa. Ou seja: a ideia de que “o gelo elimina a inflamação” não é tão sólida quanto parece — e para mulheres, suprimir demais essa resposta natural pode prejudicar as adaptações ao treino. Além disso, uma meta-análise recente que reuniu 57 estudos descobriu que, embora a imersão em água fria (CWI) possa aliviar a dor muscular (DOMS), ela não é necessariamente a melhor estratégia para todos os marcadores de recuperação. Outros métodos — como a terapia de contraste frio/quente — mostraram-se superiores para certos indicadores bioquímicos, como a creatina quinase. 

Este tipo de nuance, no entanto, raramente aparece quando a conversa é dominada por hype e influenciadores.

Exposição ao frio: riscos, cuidados e benefícios para mulheres

Um dos mitos mais comuns nas redes sociais é a ideia de que qualquer contacto com o frio oferece os mesmos efeitos, mas isso não é verdade. Imersões intensas em água extremamente fria, entre 3°C e 8°C por 2 a 5 minutos, geram um stress fisiológico muito elevado, afetando hormonas, fluxo sanguíneo e temperatura corporal. Por outro lado, exposições leves, como duches frios ou imersões curtas em água a 14–16 °C por 30 a 60 segundos, proporcionam muitos dos mesmos benefícios mentais e físicos, mas com muito menor sobrecarga para o corpo. Para muitas mulheres, este tipo de exposição moderada já é suficiente e muito mais segura.

Algumas condições podem tornar o corpo mais sensível a esse stress térmico. Por exemplo, o hipotireoidismo está associado à intolerância ao frio, então a exposição intensa pode gerar maior desconforto, fadiga e dificuldade em manter a temperatura corporal. De forma semelhante, a síndrome de Raynaud, caracterizada por episódios de vasoconstrição nas extremidades, pode agravar-se quando o frio intenso é induzido abruptamente. Mulheres com ciclos menstruais irregulares, anemia, ansiedade elevada ou histórico de infertilidade também podem perceber efeitos mais pronunciados, porque o corpo enfrenta desafios adicionais para equilibrar hormonas, fluxo sanguíneo e temperatura.

Por outro lado, mulheres com ciclos menstruais regulares, bom condicionamento físico, sono adequado, função tiroideia saudável e que realizam exposições leves e progressivas ao frio podem se beneficiar da prática. Quando bem aplicada, a imersão em água fria pode melhorar o humor, aumentar a sensação de foco e energia, elevar os níveis de dopamina e, em alguns casos, auxiliar moderadamente na recuperação muscular. A chave é respeitar o corpo, adaptar a intensidade ao próprio ritmo e evitar períodos em que a fisiologia feminina está mais sensível, como a fase pré-menstrual.

Como praticar de forma segura (pensado para mulheres)

– Prefira a fase folicular

Do 1.º dia da menstruação até à ovulação: corpo mais resistente ao stress.

– Começa leve

10–15 °C

30 segundos a 1 minuto na primeira semana.

– Evita a fase lútea

O corpo precisa de estabilidade térmica.

– Não faças diariamente

2–3 vezes por semana é suficiente para a maioria.

– Ouve os sinais do corpo

Tontura, dor no peito, tremor extremo ou náuseas → parar imediatamente.

Em qualquer caso, especialmente se houver condições médicas preexistentes, consulta o teu médico antes de iniciar a prática de ice baths.

O que há por trás do hype — e o que realmente importa

Ice baths podem ser úteis, transformadores e até prazerosos para muitas mulheres. Mas não são neutros, nem universais.

O corpo feminino tem ritmos próprios, respostas hormonais específicas e necessidades que variam de semana para semana. Deixar-se levar pela narrativa “faz porque é bom para todos” ignorando isto, como muitas trends de bem-estar fazem, é ignorar a própria fisiologia. 

A boa notícia é que não é preciso escolher entre “fazer sempre” ou “não fazer nunca”.

A resposta está no caminho do meio: autoconhecimento, ritmo, cuidado e equilíbrio.

NEWSLETTER

Inscreva-se na nossa newsletter e faça parte desse movimento que conecta ideias, histórias e transformações.

Receba conteúdos inspiradores, eventos, projetos e oportunidades diretamente no seu e-mail.

Faça parte da (r)evolução

Coming Soon