Por que cada vez mais atletas de elite estão a trocar antidepressivos e opioides por psilocibina, ayahuasca e LSD – e por que a ciência começa a dar-lhes razão

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De Dock Ellis a Aaron Rodgers, de ex-jogadores da NHL a lutadores de MMA: cada vez mais desportistas de elite contam como os psicadélicos os ajudaram onde a medicina tradicional falhou.

Os casos reais multiplicam-se: um quarterback quatro vezes MVP (Most Valuable Player) da NFL (a liga profissional de futebol americano dos EUA) diz publicamente que a ayahuasca foi o maior upgrade mental da sua carreira. Um bicampeão da Stanley Cup – o troféu mais antigo e icónico da NHL, a principal liga de hóquei no gelo do mundo – conta na CNN que uma dose de cogumelos lhe devolveu a vontade de viver depois de sete concussões e 500 mil dólares gastos em tratamentos que não funcionaram. Um ex-enforcer da NHL, que outrora ganhava a vida a partir caras no gelo, hoje é conselheiro e accionista de uma empresa que organiza retiros psicadélicos na Jamaica e jura que a psilocibina o salvou do álcool e calmantes. Não é ficção. É 2025 e o desporto de alto rendimento está a viver uma revolução sem volta: os psicadélicos entraram no balneário – e no pódio.

Durante décadas, o guião foi sempre o mesmo: uma lesão levava a analgésicos opioides, que provocavam insónias, que conduziam a anti-depressivos, que alimentavam ansiedade, que culminava em burnout ou, nos casos mais graves, em ideação suicida. Hoje, de corredores de ultra-trail a jogadores da NHL, de lutadores de MMA (Mixed Martial Arts) a atletas olímpicos de endurance, muitos estão a escolher outra via: substâncias como psilocibina (o composto ativo dos cogumelos mágicos), ayahuasca, 5-MeO-DMT ou microdoses de LSD. E não é só conversa de vestiário – há estudos sérios a acompanhar o fenómeno.

O que diz a ciência

O primeiro estudo qualitativo feito exclusivamente com atletas de alto rendimento foi publicado este ano no Journal of Performance Psychology, pelos investigadores Ka Ho Kelvin Ing e Phil Dalgarno, do Centro de Psicologia da Performance da Universidade de Glasgow. Entrevistaram 12 atletas anónimos (ex-profissionais e ainda ativos) de modalidades tão diversas como futebol, hóquei no gelo, escalada, trail running, boxe, luta livre, ténis e natação. Todos tinham usado psicadélicos de forma intencional para melhorar a performance ou saúde mental. Os resultados são impressionantes:

  • 100% relataram melhoria significativa do bem-estar psicológico: Todos os 12 participantes descreveram efeitos positivos no humor, motivação e redução de ansiedade/depressão.
  • 83% sentiram maior “flow state” e mais empatia/coesão de grupo: 10/12 relataram entrada mais fácil em “flow state” (aquele momento mágico em que o tempo parece desaparecer, a concentração é absoluta, o esforço parece fácil e a pessoa está 100% imersa na tarefa e sente controlo total), bem como maior empatia com a equipa e coesão social.
  • 75% falaram no fenómeno “trail shortening”: 9/12 descreveram a sensação de que o percurso/tarefa parece mais curto e menos tedioso em provas de endurance.
  • 67% notaram redução do ego, maior presença e criatividade tática: 8/12 relataram menor ego e mais presença no momento e criatividade.
  • Três grandes temas emergiram: estado de espírito elevado, vínculos sociais reforçados e desempenho físico melhorado

Um dos participantes resumiu assim: “A micro-dosagem de cogumelos aumentou a minha capacidade mental de aguentar períodos muito longos de exercício sem desistir psicologicamente. Já ouvi chamar-lhe ‘trail shortening’ (encurtamento do trilho). Simplesmente parece que o tempo e o esforço são menores, o tédio torna-se mais divertido, mais envolvente, e tudo passa muito mais depressa.”

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Outro estudo importante, publicado em 2024 na revista científica Therapeutic Advances in Psychopharmacology, resultou de um inquérito a 175 atletas e staff desportivo do Canadá e EUA, revelando que 35,8% dos participantes usaram psicadélicos no ano anterior. Mais impressionante: 61,2% estão dispostos a experimentar terapia assistida por psilocibina para recuperação de concussões persistentes, e 71,1% do staff técnico apoia isso. O estudo conclui que a comunidade desportiva está receptiva, mas pede mais ensaios clínicos para validar efeitos a longo prazo – um sinal claro de que os psicadélicos já não são tabu, mas uma porta aberta para o futuro.

No plano neuronal também há benefícios. Robin Carhart-Harris, ex-diretor do Centro de Investigação em Psicadélicos na Imperial College London, explica: a psilocibina “desliga” temporariamente o Default Mode Network, a rede cerebral que fica em loop de pensamentos ruminantes (típica da depressão e da ansiedade). Ao mesmo tempo aumenta a conectividade entre regiões que normalmente não falam muito umas com as outras – é como fazer uma autoestrada nova no cérebro. Estudos de imagem mostram que uma única dose pode manter essa plasticidade aumentada durante semanas.

Do balneário para o mundo: os atletas que quebraram o tabu

Aaron Rodgers, quarterback dos New York Jets e quatro vezes MVP da NFL, não se cansa de repetir: depois de duas cerimónias de ayahuasca no Peru, a temporada 2020 foi a melhor da sua vida – 48 touchdowns e apenas 5 interceções (contra 26/4 na época anterior). “O que querem que vos diga?”, atirou ele em 2023 no Aubrey Marcus Podcast, um dos podcasts mais influentes no mundo da performance mental, espiritualidade e psicadélicos, com mais de 100 milhões de downloads.

Daniel Carcillo, bicampeão da Stanley Cup com os Chicago Blackhawks, chegou a ter pensamentos suicidas depois de sete concussões diagnosticadas. Gastou meio milhão de dólares em clínicas, antidepressivos, opioides – nada funcionou. Em 2019, fez uma cerimónia com dose plena de psilocibina em Denver. No dia seguinte disse à CNN: “Acordei e senti-me como devia ser. Pela primeira vez em anos tinha vontade de viver.” Hoje tem 40 anos, faz micro-dosagem regular e fundou a Wesana Health para desenvolver medicamentos à base de psilocibina.

Riley Cote, ex-enforcer dos Philadelphia Flyers que acumulou mais de 400 minutos de penalidade na NHL, hoje pratica meditação e yoga e está envolvido na Wake Network, empresa que organiza retiros espirituais na Jamaica. “Eu batia nas pessoas para sobreviver. Depois dos cogumelos percebi que era tudo medo. Hoje o meu trabalho é partilhar esta medicina.”

Dock Ellis continua a ser o caso mítico: a 12 de junho de 1970 lançou um no-hitter (jogo perfeito) na MLB (a liga profissional de basebol mais importante do mundo) completamente sob efeito de LSD. Pensava que era dia de folga, tomou ácido ao meio-dia e só duas horas depois viu no jornal que ia jogar. A sua equipa ganhou 2-0. É provavelmente o exemplo mais antigo e mais louco de performance melhorada por psicadélicos.

Sasha Cohen, medalha de prata em patinação artística pelos EUA nos Jogos Olímpicos de Turim em 2006, já não esconde: depois da carreira, enfrentou ansiedade e depressão severas e encontrou na psilocibina uma ferramenta transformadora. Em 2023, no Psychedelic Science (uma conferência científica bianual dedicada ao estudo de psicadélicos), afirmou sem rodeios que os cogumelos a ajudaram a processar o trauma das lesões e da pressão competitiva, reconectando corpo e mente de uma forma que nenhum anti-depressivo conseguiu. 

Anna Symonds, ex-internacional norte-americana de râguebi que competiu nos Jogos Olímpicos do Rio em 2016, sofreu múltiplas concussões e ficou com lesão cerebral traumática. Depois de anos com depressão e disfunção pituitária, encontrou na psilocibina, ayahuasca e 5-MeO-DMT a cura que a medicina tradicional não lhe deu. “O tratamento tira-te do sulco em que a depressão te mete e permite-te ver a vida de outro ângulo”, disse à CNN em 2024. 

Em 2023, Diplo, DJ e corredor amador, bebeu LSD diluído numa garrafa de água e correu a Maratona de Los Angeles (42 km) em menos de quatro horas, ele que nunca tinha passado dos 22 km. “A partir dos 27 km o corpo começou a partir-se, mas eu nem dei por isso. Culpo o LSD.”

Onde estamos em 2025

  • Oregon e Colorado, nos EUA, já têm centros legais de terapia assistida por psilocibina
  • Austrália foi o primeiro país a permitir prescrição médica de psilocibina e MDMA (2023)
  • A FDA (Food and Drug Administration dos EUA) prevê a aprovação de tratamentos com psilocibina até 2028
  • A UEFA e a NFL ainda não têm posição oficial, mas a UFC (Ultimate Fighting Championship, a maior e mais importante organização mundial de MMA) já demonstrou interesse em pesquisas com psicadélicos para tratar lesões cerebrais em lutadores, havendo evidências de interesse e diálogo com o Instituto Johns Hopkins e a Universidade de Miami
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No contexto dos EUA, a FDA é peça-chave. Enquanto a psilocibina e o MDMA continuarem classificados como Schedule I (sem uso médico reconhecido), qualquer atleta de elite arrisca sanções se for apanhado, mesmo em contexto terapêutico. A aprovação da FDA muda tudo: transforma uma substância “proibida” num medicamento prescritível, seguro e subsidiável – exactamente como aconteceu com a cannabis medicinal em vários estados, com programas estaduais a subsidiarem os custos para pacientes específicos.

 Em 2025, a psilocibina está em Fase III para depressão resistente e já tem o estatuto de Breakthrough Therapy; a previsão mais realista aponta para a primeira aprovação oficial entre 2027 e 2028. Quando esse dia chegar, atletas com concussões crónicas, depressão pós-carreira ou burnout vão poder tratar-se legalmente com cogumelos em clínicas certificadas – sem medo de perder contratos, medalhas ou licenças. É por isso que todos, de Aaron Rodgers a ex-jogadores da NHL, estão de olhos postos na FDA: ela não é só um regulador, é a chave que abre (ou mantém fechada) a porta para a entrada regulamentada e socialmente aprovada dos psicadélicos no desporto de alto rendimento.

O futuro já começou (e não tem volta)

Anna Symonds disse-o melhor: “As medicinas não servem só para quando estamos doentes ou partidas. Servem para nos mantermos inteiras, mais fortes, mais conscientes.”

Atletas de elite, incluindo medalhadas olímpicas e campeões profissionais, relatam benefícios significativos no bem-estar psicológico, na gestão de lesões cerebrais e até na performance desportiva com o uso intencional e supervisionado de psicadélicos. Estudos qualitativos e inquéritos quantitativos, realizados em universidades de referência, mostram taxas de adesão e abertura surpreendentes na comunidade desportiva. 

Os psicadélicos não são a solução mágica, mas estão a revelar-se uma ferramenta poderosa quando usados com rigor científico, preparação adequada e integração profissional. A ciência confirma, os estudos multiplicam-se, a FDA aproxima-se da aprovação e os centros terapêuticos já abriram portas. O tabu caiu. Para quem vive do rendimento desportivo, ignorar esta evolução já não é opção – é preciso conhecê-la, estudá-la e, quando for seguro e legal, considerá-la.

Fim de conversa. E início de uma nova era.

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