Tocam todos os anos, sabemos as letras de cor e fazem parte do ADN do Natal. Mas por trás destas canções icónicas escondem-se curiosidades tão improváveis quanto deliciosas.
Os grandes clássicos de Natal têm uma coisa em comum: parecem eternos. Soam familiares desde a primeira nota e atravessam gerações sem perder relevância. Mas o que raramente sabemos é que muitas destas canções nasceram de contextos improváveis, decisões quase acidentais ou histórias que dizem muito sobre o tempo – e as pessoas – que as criaram. Apresentamos-te algumas curiosidades divertidas e insólitas sobre canções que hoje fazem parte da playlist obrigatória de dezembro.
All I Want for Christmas Is You – Mariah Carey (EUA)
Demorou 25 anos a chegar ao topo da Billboard
Hoje é praticamente impossível passar o Natal sem ouvir Mariah Carey. Mas All I Want for Christmas Is You, lançada em 1994, demorou 25 anos a alcançar o primeiro lugar do Billboard Hot 100, algo que só aconteceu em 2019. Durante décadas, a música foi um fenómeno cultural – omnipresente em rádios, centros comerciais e playlists – mas as regras do top norte-americano dificultavam a entrada de canções sazonais nos primeiros lugares. Com a mudança na forma como o streaming passou a contar para os rankings, o clássico natalício acabou por conquistar oficialmente o topo. Curiosidade extra: Mariah Carey escreveu a música em apenas algumas horas, inspirada nos clássicos natalícios dos anos 50 e 60. O resultado foi tão eficaz que hoje a canção regressa todos os anos aos tops, como um ritual pop perfeitamente afinado.
Last Christmas – Wham! (Reino Unido)
Os royalties foram doados para combater a fome na Etiópia
Lançada em 1984, Last Christmas é uma das canções mais melancólicas associadas ao Natal – e também uma das mais solidárias. George Michael decidiu doar todos os royalties da música para apoiar o combate à fome na Etiópia, num dos períodos mais críticos da crise humanitária no país. A canção foi lançada praticamente ao mesmo tempo que Do They Know It’s Christmas?, single de caridade associado ao Band Aid – um supergrupo formado em 1984 pelas maiores estrelas da música britânica – no qual George Michael também participou. Durante anos, Last Christmas ficou conhecida por nunca ter chegado ao número 1 no Reino Unido na altura do lançamento, precisamente porque competiu com esse single solidário. O gesto de George Michael deu uma nova camada à canção, provando que um sucesso de rádio pode, literalmente, ajudar a salvar vidas.
É Natal – José Barata Moura (Portugal)
Um clássico com raízes na Revolução de Abril
É Natal foi escrita após o 25 de Abril de 1974, num contexto de profunda transformação social e política em Portugal. José Barata Moura, conhecido pelo seu envolvimento cívico e político, criou uma canção de Natal sem referência religiosa explícita, focada em valores universais como partilha, paz e comunidade. Num país que saía de décadas de ditadura e forte moral religiosa institucionalizada, esta opção foi tudo menos inocente. A canção tornou-se um clássico precisamente por esse carácter inclusivo e laico, algo raro no cancioneiro natalício português.
Rockin’ Around the Christmas Tree – Brenda Lee (EUA)
Gravada por uma adolescente… num estúdio em pleno verão
É difícil imaginar Rockin’ Around the Christmas Tree sem associar a música a lareiras, luzes e frio de inverno. No entanto, a canção foi gravada no icónico Quonset Hut Studio, em Nashville, Tennessee, num dia de verão de 40 graus, quando Brenda Lee tinha apenas 13 anos, em 1958. Para ajudar a criar o “espírito natalício”, o produtor instalou uma árvore de Natal dentro do estúdio e baixou o ar condicionado ao máximo, tentando recriar artificialmente o ambiente de inverno. O mais curioso? Apesar de hoje ser um clássico absoluto, a música só se tornou verdadeiramente popular anos mais tarde, mostrando que nem todos os sucessos nascem imediatamente – alguns precisam de tempo para aquecer… ou arrefecer.
Feliz Navidad – José Feliciano (Porto Rico/EUA)
A canção bilingue criada para ser cantada em qualquer lugar do mundo
Feliz Navidad, lançada em 1970, tem uma das letras mais curtas da história dos clássicos de Natal – e isso não é um acaso. José Feliciano quis criar uma música que pudesse ser cantada por qualquer pessoa, em qualquer lugar do mundo, mesmo sem dominar o inglês ou o espanhol. A canção mistura os dois idiomas de forma direta e descomplicada, tornando-se um sucesso global quase imediato. Décadas depois, continua a ser uma das músicas de Natal mais tocadas no planeta, provando que, às vezes, menos é mesmo mais, especialmente quando o objetivo é criar ligação e celebração coletiva.
White Christmas – Irving Berlin (EUA)
O single que teve de ser regravado de tanto ser copiado
White Christmas não é apenas um clássico de Natal – é o single mais vendido de todos os tempos (Guinness World Records), interpretado por Bing Crosby e escrito por Irving Berlin. Escrita originalmente para o filme Holiday Inn (1942), a música tornou-se um fenómeno global quase instantâneo. O que poucos sabem é que a versão original teve de ser regravada em 1947. A razão? A fita master de 1942 ficou tão desgastada de tanto ser usada para fazer cópias para lojas e rádios que se tornou inutilizável. Para garantir a qualidade sonora, Bing Crosby voltou ao estúdio para gravar novamente a canção, numa versão quase idêntica à original – que é, na prática, a que ouvimos hoje. Irving Berlin, curiosamente, era judeu e escreveu aquela que se tornaria a canção de Natal mais famosa do mundo, provando que o espírito natalício ultrapassa religiões, culturas e fronteiras.
Mi Burrito Sabanero – Hugo Blanco (Venezuela)
A canção “profana” que foi banida das rádios e gerou disputas legais sobre direitos de autor
Composta em 1972, Mi Burrito Sabanero é um dos maiores clássicos de Natal da América Latina. Fala de uma criança que vai a Belém no seu burrinho – uma imagem simples, quase ingénua. A curiosidade inesperada: a canção tem autor conhecido (Hugo Blanco) mas gerou, durante anos, disputas legais sobre direitos de autor, especialmente após versões internacionais como a dos Juanes ou dos Gipsy Kings. Além disso, foi banida temporariamente de algumas rádios (mais conservadoras) por o ritmo “Aguinaldo” (um género folclórico venezuelano) ser considerado demasiado dançável ou “profano”. Mesmo com controvérsias, o burrito sabareno continua a conquistar corações e a fazer dançar milhões todos os Natais.
Jingle Bells – James Lord Pierpont (EUA)
A primeira canção transmitida do espaço por astronautas
Apesar de ser uma das canções mais associadas ao Natal, Jingle Bells não foi escrita para esta época. Composta em 1857, a música destinava-se originalmente a celebrar o Thanksgiving (Dia de Ação de Graças) e chamava-se One Horse Open Sleigh. A letra descreve passeios de trenó e corridas na neve, mas não menciona o Natal em momento algum. Só anos mais tarde é que a canção começou a ser associada a dezembro, acabando por se tornar um clássico natalício inevitável. Foi também a primeira música transmitida do espaço, em 1965, pelos astronautas da missão Gemini 6, um feito que elevou uma simples melodia de inverno a fenómeno cultural que não conhece fronteiras – nem sequer as da gravidade.
Stille Nacht (Áustria/Alemanha)
Cantada em conjunto por soldados inimigos
Conhecida mundialmente como Silent Night, Stille Nacht foi cantada pela primeira vez em 1818, numa pequena aldeia austríaca. Como o órgão da igreja não funcionava, a canção foi tocada com guitarra para salvar a missa de Natal (algo pouco comum em cerimónias religiosas da época), espalhando-se oralmente de aldeia em aldeia antes de ser oficialmente publicada. Mais de um século depois, em 1914, durante a Primeira Guerra Mundial, a mesma canção protagonizou um dos episódios mais comoventes da história militar: soldados alemães e britânicos deixaram as trincheiras, espontaneamente, para cantar Stille Nacht juntos na célebre Trégua de Natal. Hoje, é cantada em mais de 300 idiomas.
Então é Natal – Simone (Brasil)
Quando a adaptação ultrapassa o original
Então é Natal é a versão em português de Happy Xmas (War Is Over), escrita por John Lennon e Yoko Ono em 1971. A canção original não foi pensada como um tema natalício tradicional, mas como um manifesto pacifista, lançado em plena Guerra do Vietname. A curiosidade está na adaptação brasileira: a letra em português suaviza o tom político explícito e transforma a música numa reflexão mais íntima e universal sobre o ano que termina, as falhas humanas e a esperança de mudança. Ainda assim, a mensagem central – “a guerra acabou, se tu quiseres” – mantém-se. A versão de Simone, lançada em 1995, tornou-se o maior clássico de Natal do Brasil, ao ponto de muitas pessoas associarem a música mais à cantora do que aos seus autores originais. É um caso raro em que uma versão traduzida ultrapassa culturalmente o impacto da original no país.
Muito mais do que músicas de época
Estas curiosidades lembram-nos que os clássicos de Natal não são apenas produtos comerciais. São criações humanas, feitas em contextos específicos. Da adolescente que cantou sobre festas natalícias em pleno verão ao single viral que precisou de um quarto de século para chegar ao topo, passando pela primeira música tocada no espaço e pelos royalties doados para o combate à fome, estas músicas provam que o Natal também se constrói de pequenas ironias, gestos solidários e histórias improváveis. Saber o que está por trás das canções que ouvimos todos os anos torna o acto de escutar ainda mais rico – e talvez seja isso que as torna eternas.