Esquece o menino Jesus na manjedoura e o velhinho inventado pela Coca-Cola para vender refrigerantes no inverno: a verdadeira origem do Pai Natal pode estar num xamã siberiano sob o efeito de cogumelos alucinogénicos. Esta teoria, que troca a estrela de Belém por um fungo vermelho com pintas brancas, promete fazer-te repensar todo o “espírito natalício”
As Raízes Xamânicas na Sibéria
Imagina o Pai Natal não como um velhote bonacheirão de barbas brancas, mas como um xamã siberiano sob o efeito de psicoativos. Popularizada nos anos 1970, damos-te a conhecer a teoria que defende que a figura icónica do Natal está associada a rituais ancestrais na Sibéria e no Ártico, onde o cogumelo Amanita muscaria surge como elemento central, misturando folclore, natureza e alucinações.
Os primeiros registos etnográficos do uso do cogumelo Amanita muscaria em rituais xamânicos siberianos datam dos séculos XVIII e XIX – exploradores ocidentais observaram-no entre povos como os Koryak, na península de Kamchatka – mas algumas estimativas especulativas, baseadas em estudos etnomicológicos, sugerem que o consumo ritualista desta espécie de fungos na Sibéria pode remontar a 4000-6000 a.C.

Desde então, nas vastas tundras árticas, onde o inverno rigoroso cobre tudo com neve profunda, as comunidades indígenas dependiam de xamãs para orientação espiritual e cura. Estes xamãs, figuras centrais nas tradições locais, consumiam o Amanita muscaria, um cogumelo vermelho com pintas brancas que cresce sob pinheiros, para induzir estados alterados de consciência. O cogumelo, conhecido pelas suas propriedades alucinogénicas (causadas por compostos como o muscimol), induzia euforia, distorções sensoriais e a sensação de flutuar ou voar, permitindo aos xamãs “viajar” para reinos espirituais em busca de conhecimento ou cura para a tribo.
Popularizada a partir da década de 1970 por autores como R. Gordon Wasson – um banqueiro norte-americano, vice-presidente de relações públicas no J.P. Morgan, que se tornou um dos pioneiros da etnomicologia, área de investigação que estuda a relação entre os seres humanos e os fungos –, a teoria que liga o Pai Natal a estes rituais coloca o Amanita muscaria no centro da sua narrativa. Segundo ela, durante o solstício de inverno, período de renovação simbólica em que se celebrava o regresso da luz após os longos dias de escuridão, os xamãs vestiam-se com peles vermelhas e brancas, cores que ecoavam a aparência do próprio cogumelo, e entravam nas habitações (frequentemente yurtas) não pela porta, bloqueada pelo acumular de gelo, mas pelo orifício de fumo no telhado – uma prática que evoca a descida do Pai Natal pela chaminé.
Esta entrada peculiar não era mero capricho; era uma necessidade prática num ambiente hostil, mas que, segundo a teoria, influenciou a narrativa moderna de um homem que desce do céu para entregar presentes – os xamãs carregavam sacos de cogumelos secos, distribuindo-os como “presentes” que traziam visões e bem-estar, uma ligação que os defensores da teoria vêem como precursora dos sacos de brinquedos que o velhinho de barbas brancas espalha pelas casas de todo o mundo na noite de Natal.
Embora os historiadores debatam a validade direta desta conexão, a sobreposição de elementos é inegável, misturando mitologia com observações etnográficas recolhidas por exploradores no século XIX e XX. O fascínio reside na forma como estas práticas antigas, enraizadas na sobrevivência e na espiritualidade, podem ter migrado para o Ocidente através de contos folclóricos e ilustrações vitorianas, transformando um ritual xamânico numa festa global.
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O Papel Central do Amanita Muscaria
O Amanita muscaria, muitas vezes chamado de “mosca-agarico”, é o coração pulsante desta teoria. Estes fungos, que brotam no outono e persistem sob a neve, são tóxico em doses elevadas, mas os xamãs siberianos aprenderam a prepará-los para minimizar riscos, pendurando-os em ramos de pinheiros para secarem – uma técnica que lembra os ornamentos pendurados nas árvores de Natal.
Postais de Natal vitorianos e ilustrações antigas de origem alemã e escandinava frequentemente incluem representações de cogumelos vermelhos com manchas brancas, sugerindo que esta imagem persistiu no imaginário coletivo, mesmo que de forma subliminar. Visualmente, a associação é inquestionável: as cores do cogumelo espelham o traje vermelho e branco do Pai Natal, sendo de notar que estes fungos eram “colhidos” pelos siberianos como tesouros preciosos e depois distribuídos pela comunidade, evocando os presentes sob a árvore natalícia.
Embora não haja provas arqueológicas diretas ligando o Amanita diretamente ao Pai Natal moderno – uma fusão de São Nicolau, Odin e outras figuras –, a coincidência de símbolos é cativante, convidando a uma releitura das festas de fim de ano como herança de rituais ancestrais.

A Conexão com as Renas e o Voo Mágico
As renas, companheiras inseparáveis do Pai Natal, entram na teoria através de um detalhe surpreendente: domesticadas há milénios na Sibéria, estes animais consomem Amanita muscaria na natureza (para fins antiparasitários), exibindo comportamentos erráticos e “excitados” após a ingestão, como se estivessem a “voar” ou a saltar de forma descontrolada.
A ideia de renas voadoras, imortalizada no poema de Clement Clarke Moore “A Visit from St. Nicholas” (1823), ecoa estas observações, transformando alucinações reais em mitologia festiva. Os defensores argumentam que o trenó puxado por renas reflete as jornadas xamânicas, onde o xamã, sob efeito do cogumelo, “voava” pelo céu noturno para visitar espíritos e colher sabedoria.
Uma vez mais, a teoria popularizada por Wasson adensa-se: elementos da natureza – um cogumelo, um animal, um ritual – entrelaçam-se para formar uma lenda que perdura, sugerindo que o Natal moderno carrega ecos de práticas ancestrais adaptadas ao tempo.
De Cogumelos a “Ho Ho Ho”: Facto ou Fantasia Coletiva?
Embora a teoria não seja universalmente aceite por historiadores, que a vêem como uma mistura romântica de factos e folclore sem ligações diretas comprovadas, ela ilustra como tradições culturais evoluem ao longo dos séculos, incorporando elementos de diversas origens.
Ultimamente, a ideia ganhou nova vida em vídeos de YouTube e artigos sobre psicadélicos, adicionando uma camada extra de mistério à época e fazendo-nos questionar se o “espírito natalício” não terá, afinal, um toque de muscimol ancestral.
No fim das contas, acredites ou não que o Pai Natal trocou a bíblia pela Amanita muscaria (e o trenó por uma viagem astral), esta teoria dá um tempero irresistível ao Natal: transforma uma celebração que já misturou Jesus Cristo e marketing da Coca-Cola numa autêntica tapeçaria global de mitos alucinados (literalmente), que continuam vivos, a reinventar-se e a fazer-nos rir (ou voar) todos os anos.