71 mulheres. 9 ilhas. 77 minutos que te vão fazer olhar para o Atlântico como se fosse a primeira vez. Depois da estreia nacional no Teatro Faialense e da sessão plena em Lisboa a 7 de novembro, o documentário “Mulheres do Mar – Açores” segue agora numa tournée pela Europa que se estenderá a Oriente com sessões em Macau e Hong Kong
Mar Dentro: Entre Uma Alegria Imensa e Um Medo Antigo
Raquel Clemente Martins, realizadora do filme e fundadora da ONGD Help Images, começou este caminho em fevereiro de 2021 com uma certeza simples: quem tem uma relação emocional forte com o mar é a melhor pessoa para o defender. Não quis heroínas de laboratório nem figuras públicas intocáveis. Quis mulheres reais, de carne e osso, que chamam ao mar “casa”, “colo”, “liberdade” ou, às vezes, “lágrimas”.
Nos Açores, a equipa percorreu as 9 ilhas e filmou 71 mulheres, acabando por dar voz a 49 na edição final. Há a miúda que tinha 6 anos quando foi filmada (agora com 7) e que já explica, melhor que muitos adultos, por que razão o mar merece respeito. Há a Lurdes Batista, octogenária, a primeira mulher a pescar em Rabo de Peixe, que conta histórias que fazem rir e chorar na mesma frase. Há a Suzete, ex-guarda florestal que realizou o sonho de tornar-se faroleira só para estar mais perto do Atlântico. Há a Gisela, bióloga marinha que financia investigação científica levando turistas a ver baleias. Há a Nieta, arquiteta que recolhe lixo do mar e transforma-o em material de construção. E há dezenas de professoras, desportistas, advogadas, artistas, mães, avós – todas com o mesmo fio condutor: “O mar está sempre dentro delas”, disse Raquel Clemente Martins em entrevista à Antena 1 Açores. E esse “dentro” é feito de uma alegria imensa, mas também de um medo antigo – afogamentos, perdas, barcos que não voltaram.
“O papel da mulher do mar dos Açores tem vindo a ser alterado ao longo dos tempos. Era um papel quase transparente, apesar de estar sempre lá. Eram elas que apoiavam a nível familiar e na preparação dos aparelhos, mas não eram visíveis”, declarou Raquel à Agência Lusa. “Queremos fazer a ligação com a presença da mulher nas profissões do mar e o impacto de existirem cada vez mais mulheres a estudar o oceano na área do desenvolvimento académico. Há cada vez mais mulheres pescadoras, marinheiras ou em lugares de destaque em navios”, reforçou.
Veja abaixo o teaser do documentário e oiça algumas destas mulheres:
Um Filme Que Não É Só Sobre os Açores – É Sobre Todas Nós
“Quem ama cuida e quem cuida ama” é o lema do projeto – e parte fundamental da narrativa e do propósito do filme – desde o primeiro dia, visando alertar para a necessidade de preservação dos oceanos. Raquel Clemente Martins explica: “Nós acreditamos que só quem tem uma relação emocional profunda com o mar é capaz de o proteger de verdade. O amor vem primeiro – o amor visceral, o colo, o medo, a saudade, a alegria. Quando esse amor existe, o cuidado nasce naturalmente. E, curiosamente, quem cuida acaba por amar ainda mais, porque passa a conhecer cada cicatriz do oceano”, disse a realizadora à Antena 1 Açores.
Por isso o lema é dito sempre nos dois sentidos: não é só “quem ama, cuida”; é também “quem cuida, ama” – porque ao limpar praias, ao estudar, ao ensinar, ao transformar lixo em arte, estas mulheres apaixonam-se cada vez mais pelo Atlântico. O amor é o motor e o cuidado é a consequência inevitável. E é exatamente esta corrente que “Mulheres do Mar – Açores” mostra em cada cena.
Reconhecido pela UNESCO no âmbito da Década das Ciências do Oceano para o Desenvolvimento Sustentável (2021-2030) e apoiado financeiramente pelo Governo Regional dos Açores, o documentário é um testemunho raro. Raquel, que começou nos anos 90 a fazer efeitos especiais e passou pela publicidade e por uma multinacional de streaming, trouxe para este projeto o melhor de dois mundos: técnica irrepreensível e coração à flor da pele. “Gosto de trabalhar à moda antiga, com equipa profissional, luz bonita, som limpo, para que as pessoas sintam prazer a ver e a ouvir”. O resultado é um filme que parece pintado, com planos que respiram e uma banda sonora que parece vir do próprio oceano.
Não é um documentário frio. É um abraço quente. E é impossível sair da sala do mesmo jeito que entrámos.
Próximas sessões: de Berlin a Hong Kong
O documentário já passou pelo Teatro Faialense (estreia nacional), pelo Pavilhão do Conhecimento em Lisboa (7 novembro, sala cheia) e por vários festivais. Agora segue viagem pela Alemanha, Espanha, Irlanda, Bruxelas, Macau e Hong Kong. “Estamos a levar a voz das mulheres açorianas pelo mundo. Isso é extremamente emocionante”, afirmou a realizadora à Lusa, expressando o desejo de exibir o filme em todas as ilhas dos Açores.
O futuro? O filme insere-se no projeto “Mulheres do Mar” (mais amplo) que já engloba mais de 900 mulheres em 29 países. Em maio de 2025 Raquel filmou na Irlanda, durante o European Maritime Day, mulheres de Cuba, México, Holanda e Espanha. Este material vai resultar no próximo documentário da coleção, previsto para 2026. Até 2030, o sonho é lançar o grande hub digital com todas as entrevistas integrais e um mapa interativo cheio de luzinhas: cada luz uma mulher do mar, ligada às outras, a lembrar ao mundo que cuidar do oceano é urgente e que as mulheres estão na frente dessa revolução azul.
“Mulheres do Mar – Açores” cumpre, com rigor e beleza, o objetivo do projeto: mostrar que a preservação do oceano passa, inevitavelmente, pela valorização das mulheres que o conhecem, estudam e vivem. As 71 açorianas retratadas, de todas as idades e profissões, demonstram que a relação emocional com o mar é a base mais sólida para a ação sustentável. A sua exibição internacional, agora em curso, leva a voz de Portugal e dos Açores a novos públicos e reforça a mensagem central: quem ama cuida, e quem cuida muda o futuro do planeta.