A Gen Z Não Quer o Futuro — Quer Ressuscitar o Passado e Fazê-lo Melhor do que Nós

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A geração que cresceu com o apocalipse climático no feed está a rejeitar o amanhã e a viajar no tempo. Mas não para fugir: para colonizar o passado e corrigi-lo

Rejeitar o Futuro, Abraçar o Passado

O fenómeno está diante dos nossos olhos: a geração que nasceu com o clima em colapso, a guerra no telemóvel e a precariedade como plano de carreira está a fazer algo inusitado – virou as costas ao futuro e mergulhou de cabeça em décadas que nunca viveu. Os feeds das redes sociais estão inundados de referências “retro”: outfits Y2K, quartos com estética 90s, playlists de indie rock dos anos 2000, filtros que imitam VHS e fotografias Polaroid digitais. Não é uma tendência passageira da moda; é um movimento cultural dedicado a recriar (e a melhorar) o passado, com a Geração Z como protagonista.

Os números mostram que isto não é conversa de café: um relatório de 2024 da WGSN (uma empresa de previsões de tendências sediada em Londres) aponta estilos “retro” como o “Thrift-dult” (mistura de thrift finds dos anos 80, como ombros almofadados e blazers vintage, com cortes modernos) como principais tendências para os próximos anos, impulsionadas pela Gen Z por razões de inclusão, sustentabilidade e não-conformidade. O relatório destaca também o interesse crescente da Gen Z por artigos vintage e em segunda-mão em plataformas como o TikTok e Depop, com foco na estética Y2K e no surrealismo como escape das crises globais. As pesquisas por “90s aesthetic”, “Y2K outfit” e “cottagecore” cresceram mais de 300% em três anos (Google Trends) e a venda de roupa original dos anos 80 e 90 tem tido um crescimento de dois dígitos ao ano.

Millennials vs Gen Z – Luto vs Projeto

Se pensávamos que já tínhamos visto isto antes – com os Millennials – estávamos enganados. Eles também olham para trás (Stranger Things, vinis a rodar, filtros VHS, consolas mini, mobiliário geométrico, gírias retro (“slay”, “as if!”), ressurgimento do Tumblr e dos blogues), mas esta nostalgia é um velório doce-amargo: choram uma infância real que o capitalismo lhes arrancou. É luto puro por um tempo que viveram e que acabou.

A Gen Z nunca pôs um pé nos anos 90 nem no início dos 2000, por isso não há luto – há projeto. Enquanto os Millennials querem restaurar o passado exatamente como foi (quanto mais “autêntico” e imperfeito, melhor), a Gen Z trata o passado como um repositório aberto numa cloud partilhada: copia, mantém o que presta, apaga o machismo, o racismo, o body shaming, adiciona diversidade, sustentabilidade e terapia, e lança a versão 2.0 como se sempre tivesse sido assim.

Os Millennials suspiram: “era melhor quando éramos pequenos”. A Gen Z responde: “vamos voltar a 1995 e torná-lo melhor do que alguma vez foi”. É ação criativa em grande escala.

Retrotopia: Quando o Progresso Deixa de Ser Promessa e Passa a Ser Ameaça

Em 2017, meses antes de morrer, o sociólogo e filósofo polaco-britânico Zygmunt Bauman publicou Retrotopia – e acertou na mouche. Ele argumentava que, depois da queda do Muro de Berlim em 1989, vivemos quatro grandes utopias que colapsaram: a utopia territorial (pensávamos que conquistar territórios traria felicidade), a de classe (a revolução proletária), a familiar (o modelo nuclear estável para sempre) e, a mais dolorosa, a utopia do futuro – a ideia de que amanhã seria sempre melhor que hoje.

Quando estas utopias morrem, escreveu Bauman, não ficamos sem utopia nenhuma. Ficamos com a retrotopia: a crença de que a felicidade estava lá atrás, nas tribos, na simplicidade local, nas comunidades pequenas, nas cassetes que se rebobinavam com um lápis, nos filmes a preto e branco, nas bicicletas de quadro antigo. A Gen Z nasceu já dentro desta retrotopia. Para ela, o futuro não é uma promessa, é uma ameaça concreta: 45ºC em Lisboa, contratos a recibos-verdes até aos 50, notificações que nunca dormem, trânsito infernal nas horas de ponta, apartamentos que ninguém consegue pagar. O passado, mesmo nunca vivido, parece um abrigo.

Hauntologia: Fantasmas dos Futuros que o Capitalismo Matou

Mark Fisher, crítico cultural britânico, deu nome ao vazio que sentimos: hauntologia. Inspirado em Derrida, Fisher dizia que o presente está “assombrado” por futuros que foram prometidos e depois cancelados. O punk que podia ter derrubado o sistema, o acid house que prometia amor universal, o serviço público de saúde que nos protegeria da doença a custo zero, a cultura pop que se recusava a ser cínica – tudo isto morreu lentamente desde os anos 80, substituído por “there is no alternative” (“não há alternativa”).

Para a Gen Z, estes fantasmas aparecem em loops de 15 segundos: o som de um modem 56K, o logo da MTV dos anos 90, o jingle do Windows XP ao ligar. Mas, ao contrário dos Millennials, que apenas lamentam a perda, a Gen Z pega nos fantasmas e domestica-os.

A Grande Invasão Cultural ao Contrário

Vestem-se de grunge mas com body positivity, recriam o indie sleaze mas sem o machismo tóxico, sonham com comunidades dos anos 70 mas com Wi-Fi e terapia. É uma invasão cultural ao contrário: em vez de aceitar o futuro distópico, estão a “hackear” décadas mortas para as tornar queer-friendly, eco-conscientes e atentas à saúde mental. A grande proposta da Gen Z não é mudar o mundo de 2025 – é ressuscitar 1995 e fazer melhor do que os Millennials alguma vez sonharam.

É uma colonização com regras novas: o Kurt Cobain da fantasia usa símbolos de identidade fluida; a Kate Moss imaginária come hidratos sem culpa, liberta da tirania da magreza; o universo de Clueless é atualizado para celebrar a diversidade LGBTQIA+. A apropriação do passado pela Geração Z é menos uma homenagem e mais uma intervenção cirúrgica. É uma revisão cultural massiva, reimaginando figuras icónicas e estéticas passadas pela lente da inclusão e do progresso. Criam fanfics inteiras de décadas alternativas onde o neoliberalismo nunca ganhou. De repente, o passado deixa de ser opressivo – torna-se editável.

Não É Fuga, É Reescrita Terapêutica

A psicóloga norte-americana Pamela Rutledge chama-lhe regressão adaptativa positiva: usar o passado como âncora emocional para reduzir a ansiedade, ativando dopamina/oxitocina e baixando cortisol até 30%.

Não é paralisia nostálgica nem capricho infantil; é o uso deliberado e seletivo de memórias, imagens ou estímulos do passado com um objetivo adulto e consciente: restaurar sentido de controlo e reforçar a identidade num mundo que parece permanentemente em crise. Funciona como uma “terapia de bolso”: ao revisitar um cheiro, um som ou uma estética de infância/adolescência (o clique do Tamagotchi, o genérico do Clube Disney, a textura de uma cassete VHS), o cérebro ativa rapidamente os circuitos de recompensa (dopamina) e de vínculo (oxitocina), baixando o cortisol em poucos minutos.

O truque, segundo Rutledge, está na curadoria: a Gen Z não revive o passado inteiro; escolhe apenas os fragmentos que trazem conforto e, em seguida, reescreve-os para que serviam ao “eu” de hoje. Em vez de apenas recriar tempos antigos, criam uma realidade paralela onde o racismo dos anos 90 é chamado à atenção, onde o body shaming do Y2K é cancelado, onde o consumismo dos anos 80 é substituído pelo slow fashion. É o que Fisher chamaria “realismo capitalista”, mas ao contrário: em vez de aceitar que não há alternativa, a Gen Z diz: “Vamos construir uma alternativa no século passado”.

2075 = 1995 2.0

Bauman avisou que, quando o futuro morre, o passado torna-se parque temático. Fisher completou que vivemos um “cancelamento lento do futuro”. A Gen Z ouviu os dois e respondeu com um sorriso malandro: “Perfeito, se não nos deixam futuro, vamos buscar o passado e melhorá-lo.”

Pela primeira vez em décadas, o ato mais revolucionário não é imaginar 2075 com cidades flutuantes e rendimento básico universal. É imaginar 1995 com terapia gratuita, pronomes neutros nos documentos de identidade, protetor solar mineral e espaço seguro para todas as identidades.

A Gen Z não está atrasada para o futuro. Está simplesmente a reescrever o passado até ele caber nela. E talvez esteja certa. Talvez este seja o único caminho para voltarmos a acreditar no amanhã.

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