A cultura do cansaço: como normalizámos o facto de vivermos exaustos

  • Saúde Mental
  • A cultura do cansaço: como normalizámos o facto de vivermos exaustos

Entre o “posso tudo” e o “não aguento mais”, o esgotamento deixou de ser um sinal de excesso e passou a ser identidade

Por Isis Freitas

Está toda a gente cansada. É o novo sotaque da época.
A conversa começa com “estou exausta” e acaba com “precisava de férias”.
Normalizámos o colapso, como se fosse um estado civil.

Já não caçamos mamutes, não construímos abrigos com pedras, nem precisamos de fugir de ursos para sobreviver. O susto de hoje é abrir o telemóvel e ver 47 notificações.

Byung-Chul Han, filósofo sul-coreano contemporâneo, chama-lhe a “sociedade do desempenho”.
Saímos do “tenho de” e chegámos ao “posso tudo”.
Mas o “posso tudo” transformou-se no novo “tenho de”. Ou seja, posso ser produtiva, saudável, criativa, zen, bem informada e, ainda, publicar com bom humor — então, a questão que se coloca é: “porque é que não estou a conseguir?”

O cansaço é o bug entre o que podemos ser e o que somos de facto.

De alguma forma, o cansaço virou estatuto. Estar sempre no limite dá credibilidade.
“Se estou esgotada, é porque estou a fazer algo certo.”
Medimos o esforço pelo nível de exaustão — como se “estar de rastos” provasse que ainda estamos no jogo.
Desconfia-se de quem parece descansado.
Como se o descanso fosse um privilégio, ou, pior, desinteresse.

O descanso virou um modo do telemóvel.
Não fazemos pausas, apenas mudamos de separador.
Até o relaxamento virou objetivo e meta — “olha, bati o meu recorde de calma na app da ansiedade!”.

No final, talvez o problema não seja estar cansada, mas o quanto transformámos o cansaço em identidade. Ficou mais fácil dizer que estamos exaustas do que admitir que já não sabemos o que é descansar.

NEWSLETTER

Inscreva-se na nossa newsletter e faça parte desse movimento que conecta ideias, histórias e transformações.

Receba conteúdos inspiradores, eventos, projetos e oportunidades diretamente no seu e-mail.

Artigos Relacionados

outubro 22, 2025

Entre ondas e fronteiras: a jornada de Carolina Pereira pelo ativismo, consciência e cuidado

Da defesa da Palestina aos projetos com a ONU e o surf, a ativista constrói pontes entre direitos humanos, meio-ambiente e pessoas

outubro 21, 2025

A maternidade perfeita existe: e é aquela que se pode dar

Desmistificando a mãe perfeita: aprendizagens, tropeções e descobertas da maternidade real

Mais conteúdos

Entre ondas e fronteiras: a jornada de Carolina Pereira pelo ativismo, consciência e cuidado

A maternidade perfeita existe: e é aquela que se pode dar

Lua Nova em Balança

Terapias assistidas com psicadélicos estão a transformar a saúde mental 

Altar pessoal: cria o teu canto de poder

Yolanda Hopkins: a primeira portuguesa a conquistar um lugar na elite mundial de surf

Surf de alto rendimento: como as novas tecnologias estão a revolucionar a performance dos atletas

Conhece os perigos de comer apenas com fome emocional

Entre raízes e novos voos, a cantora Terra Blanco fala sobre transformações, autocuidado, música e surf

Faça parte da (r)evolução

Coming Soon