Cores, símbolos e histórias que atravessam gerações e continentes
Da Amazónia ao Pacífico, a arte indígena é linguagem, espiritualidade e identidade. Cada traço revela como um povo entende a Terra, o tempo e o sagrado. Olhar para essas obras é, assim, encontrar mapas de territórios, canções de origem e reflexões sobre a convivência entre seres humanos e natureza.
Em cada traço, estas obras lembram que cultura e natureza caminham juntas. E, ao apoiar artistas indígenas, também reforçamos a defesa da biodiversidade, das línguas e da memória coletiva. É uma conversa entre mundos, que nos convida a rever a nossa própria relação com a terra e a imaginar futuros mais equilibrados.


Amazónia: Yanomami e Kayapó
Na floresta tropical, a pele é tela e a natureza é paleta. Entre os Yanomami, a pintura corporal vai além da estética: frutos, como urucum ou jenipapo, e carvão marcam a presença dos xapiri – espíritos protetores que orientam a vida coletiva. Os grafismos Kayapó, aplicados no corpo e na cerâmica, narram guerras e alianças, descrevem rios e árvores, e reforçam o equilíbrio ecológico. Cada traço é um elo de resistência frente ao avanço da mineração e da desflorestação.


Brasil Central: plumária do Xingu
No Xingu (território indígena), os Kamayurá e Yawalapiti mantêm viva a arte plumária, em que cocares e colares de araras e tucanos expressam hierarquia social e conexão espiritual. O trabalho respeita o ciclo natural: usam apenas penas caídas na muda, uma escolha que traduz o cuidado com as aves. Cada peça carrega um tempo coletivo, feito de cantos, rituais e histórias que atravessam gerações.


Andes: tecelagem que reza
Nos altiplanos do Peru e da Bolívia, os povos Quechua e Aymara transformam lã de alpaca e vicunha em tecidos que são, ao mesmo tempo, herança e oração. Pigmentos vegetais criam padrões que lembram montanhas, constelações e mitos de origem. O vermelho invoca Pachamama, a Mãe Terra; o azul remete ao cosmos. Tecelagem é meditação, resistência e economia – muitas famílias dependem destas peças para manter a autonomia cultural e financeira.


Austrália: mapas do Dreamtime
Entre os povos aborígenes australianos, a pintura em pontos – o dot painting – é um mapa espiritual. Pontos de ocre, branco e preto, marcam rotas de caça, fontes de água e narrativas do Dreamtime, o tempo primordial em que os ancestrais criaram o mundo. Cada tela é uma cartografia, oração e registo histórico, mas também uma afirmação política: um lembrete de que a terra continua viva e sagrada.
Nova Zelândia: entalhe e tatuagem sagrada
O whakairo – entalhe maori em madeira – transforma casas de reunião e canoas cerimoniais em livros de genealogia. Espirais e figuras humanas gravam feitos de navegação e linhagens. A tatuagem facial moko, hoje presente em desfiles e galerias, continua a ser um rito de passagem: cada linha conta a trajetória de quem a carrega, do nascimento às conquistas da vida adulta.


Costa Noroeste da América do Norte: máscaras vivas
Haida e Tlingit, povos do atual Canadá e Alasca, esculpem máscaras de cedro que ganham vida em danças rituais. Corvos, ursos e orcas surgem para narrar a criação do mundo e celebrar a ligação entre humanos e animais. O contraste de preto e vermelho produz impacto visual e transmite poder espiritual, transformando cada performance em uma experiência sensorial e sagrada.

Artistas que cruzam fronteiras
A força desta tradição aparece também na arte contemporânea, com nomes que ampliam a presença indígena em museus e bienais de todo o mundo.




A sua obra icónica, “A queda do céu e a mãe de todas as lutas”, foi a primeira obra indígena a compor o acervo do Palácio do Planalto, doado pela própria artista à Presidência da República do Brasil. Esta ação teve como foco minimizar a desigualdade do acervo, composto 80% por homens brancos e burgueses.


