Como a roupa contemporânea está a tornar-se mais do que estilo — uma espécie de “zona branca” pessoal contra tecnologias invisíveis
Vivemos cercados por sinais invisíveis — Wi-Fi, 5G, Bluetooth, rastreamento, satélites, sensores e câmeras. A vida moderna pulsa em ondas e frequências, e os nossos corpos, sem perceber, habitam esse campo elétrico constante. Neste cenário, uma nova vertente da moda ganha força: roupas que não querem apenas vestir, mas proteger. Tecidos que prometem reduzir exposição, bloquear radiação, criar um espaço próprio de silêncio e privacidade. Como se cada peça fosse uma pequena “white zone” pessoal.
O conceito de “white zone” vem do vocabulário técnico: áreas com pouca ou nenhuma cobertura de sinal. Mas, em tempos de hiperconectividade, ele transforma-se em metáfora poderosa: o desejo de um refúgio digital. Se não é possível desligar o mundo, talvez seja possível vestir o silêncio.
Nasce assim uma moda que não procura apenas estilo, mas autonomia. Tecidos com fios metálicos, design minimalista, slogans de “reduzir exposição” e “proteger a sua energia”. A roupa como fronteira entre o corpo e o ruído do mundo.

Moda, Tecnologia e Narrativa de Proteção
Nesta nova categoria, o vestuário ultrapassa a função estética ou utilitária direta e torna-se símbolo aliado ao discurso. É a fusão entre design e ideologia, entre o que se veste e aquilo em que se acredita. Tecidos com propriedades condutoras, promessas de bloqueio de sinais, narrativas sobre autonomia, privacidade, segurança e identidade: tudo se conecta em torno da ideia de proteção.
Algumas marcas internacionais estão a explorar este conceito, combinando estilo com tecnologia, propósito e inovação ao traduzir o desejo contemporâneo de encontrar refúgio no próprio corpo.
Criada pela artista M.I.A., a OHMNI traduz o espírito da era digital em forma de resistência. A marca define-se como “streetwear para a era da informação”, projetada com a intenção de proteger “o teu corpo, os teus dados, a tua autonomia”.
O icónico Protection Poncho usa 48% de cobre-níquel puro na sua composição, com o objetivo de criar uma barreira contra sinais de Wi-Fi, Bluetooth, GPS e radiações diversas. É descrito como um escudo moderno — capaz até de “tornar o utilizador invisível” a câmeras térmicas e drones. Além desta peça, a marca oferece uma seleção conceptual de peças como casacos, capas, acessórios e artigos funcionais inspirados na estética techno–utilitária. É uma marca de nicho, com valores que refletem o caráter experimental: peças começam geralmente na faixa dos US$100–200, enquanto itens como o corta vento com proteção chegam a 400 dólares.
A estética reflete essa ideia de defesa e identidade: urbana, metálica e inquieta, como um manifesto visual sobre vigilância e privacidade.
A HAVN surge com uma proposta híbrida entre moda, ciência e saúde. Apresenta-se como a primeira marca de vestuário com efeitos comprovados sobre corpo e mente, apoiada por estudos laboratoriais. Os seus tecidos bloqueiam radiação sem fio (celular, Wi-Fi, 4G, 5G, Bluetooth) e raios UV, reduzindo fatores externos de stress – incluindo a exposição a EMF, que são campos eletromagnéticos, emitidos por dispositivos eletrónicos e redes sem fio.
Segundo a marca, vestir HAVN é como equilibrar o corpo de dentro para fora: utilizadores relatam melhorias na cognição, clareza mental, menos dores de cabeça, aumento da variabilidade da frequência cardíaca (HRV) em até 18% e sono mais profundo. Eles dispõem de uma linha completa de funcionais básicos como t-shirts, camisolas, hoodies, leggings, roupa interior, gorros e até cobertores. Os preços das peças mais vendidas variam entre US$68 para os gorros e US$478 para o conjunto de pijama.
É moda funcional, mas também terapêutica, pensada para quem quer recuperar energia em meio à saturação digital.
A DefenderShield nasceu do conhecimento técnico de Daniel T. DeBaun, engenheiro com mais de quatro décadas de experiência em telecomunicações e autor do livro “Radiation Nation: The Fallout of Modern Technology”.
Unindo engenharia e ciência médica, a marca desenvolve tecidos e produtos que bloqueiam até 99% da radiação EMF, incluindo toda a faixa 5G, de 0 a 90 GHz. Trabalha com um conselho de especialistas em neurologia, bioquímica e sono para validar os seus resultados. Vendem tanto vestuário quanto acessórios protetores como bonés, capas de telemóvel, mantas anti-radiação, malas e óculos de sol com barreira EMF. Nesta gama de acessórios os valores começam em US$5 e passam os US$300 para opções de kits como coberta, fones e acessório para computador.
Cada peça é tratada como uma extensão de pesquisa e segurança pessoal, direcionada para quem procura equilíbrio num ambiente hiperconectado.
Fundada pelo ativista Matt Landman, a Spero nasceu do desejo de proteger e consciencializar sobre os efeitos da radiação digital, com foco na saúde, educação e prevenção.
As roupas da marca utilizam fibras de nylon revestidas de prata, criando tecidos condutores e anti-bacterianos capazes de bloquear até 100% da radiação EMF e proteger contra raios UV. A proposta é criar uma camada física e simbólica de defesa, especialmente para crianças e jovens.
As peças de roupas começam em US$95 para t-shirts e chegam aos US$179 no caso das calças. Além das roupas básicas com visual casual e feitas com fibra revestida de prata, a Spero oferece bolsas e acessórios com o mesmo propósito: impedir rastreamento e monitoramento digital, transformando cada item numa espécie de mini “white zone” portátil.
Moda como Escudo Pessoal
Da “white zone” ao vestuário, a moda contemporânea redefine o que significa vestir-se. Não se trata apenas de estética, mas de autonomia, privacidade e proteção.
Marcas como OHMNI, HAVN, DefenderShield e Spero transformam o tecido em linguagem, refletindo as nossas ansiedades tecnológicas e o desejo de reconectar com o essencial — o corpo, o silêncio, o espaço pessoal.
A roupa torna-se uma fronteira entre o “eu” e o excesso de informação. No fim, estas roupas funcionam como armaduras simbólicas para o século XXI, refletindo as nossas preocupações tecnológicas e sociais de maneira estilosa e inovadora.
Vestir, neste novo contexto, é escolher até onde queremos ser vistos — e até onde queremos desaparecer.
*foto de capa @OHMNI







