Amores Sem Amarras: Como Marcela Aroeira Desafia o “E Depois Viveram Felizes Para Sempre”

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E se o amor não tivesse de ser exclusivo para ser intenso? Marcela Aroeira, psicóloga brasileira a viver em Lisboa, desenha rotas alternativas com o seu projeto Amores Plurais. Não promete paraísos, mas convida a explorar territórios onde a autonomia é a bússola. De Belo Horizonte a Lisboa, do consultório a um café com amigas, ela mostra que amar no plural pode ser tão natural como um passeio de bicicleta – com vento na cara e sem correntes nos pés.

De Minas ao Tejo, da Monogamia ao Amor Livre

Marcela Aroeira nasceu em Belo Horizonte e formou-se em Psicologia pela PUC Minas Gerais, iniciando a sua prática clínica em 2011. O primeiro contacto com a não-monogamia deu-se 4 anos mais tarde, alguns meses depois de se ter casado, quando, ainda no Brasil, assistiu à série documental Amores Livres da GNT. Na mesma noite, saiu para dançar forró e questionou-se: “Por que não posso ficar com esta pessoa, se me sinto atraída? Isso não muda o que sinto pelo meu marido.” Chegou a casa e trouxe o assunto para cima da mesa. “Ele ficou perplexo: ‘Tu és ciumenta e propões isto?’”.

Marcela admite, entre risos: “Eu tinha ciúmes explosivos”. Mas depois de perceber que podia gostar de mais de uma pessoa ao mesmo tempo, o amor deixou de ser um contrato e passou a ser uma escolha consciente. No Carnaval de 2015, deu o primeiro beijo fora do casamento, com uma amiga — foi o ponto de partida para uma viagem sem regresso rumo à não-monogamia. Inscreveu-se num mestrado da Universidade Autónoma de Lisboa com o intuito de estudar o empoderamento feminino em relações não-monogâmicas consensuais. Vendeu o carro, alugou o apartamento e mudou-se para Portugal, onde, nove anos depois, ainda não tem bilhete de volta.

Amores Plurais: Do Divã ao Feed

“Antes, quando tinha ciúmes, sentia raiva e jogava coisas pelo ar. Hoje, sinto tristeza e digo: ‘Preciso de acolhimento’. Todas as emoções são espelho de uma necessidade. É por isso que a terapia é tão importante. Quanto mais te conheces, menos o ciúme manda”, afirma.

Consciente do papel fundamental da psicologia para navegar a não-monogamia, Marcela criou o projeto Amores Plurais no dia 20 de março de 2018, dia Mundial da Felicidade. O que era um blog tornou-se ecossistema: podcast no Spotify, Instagram com 78 mil seguidores (@amores_plurais), artigos semanais, rodas de conversa e formações. O lema é simples: “Pluralizar o amor, afastá-lo de preconceitos, ampliar a diversidade. É militância de consultório e de café”, resume Marcela.

Monogamia? “Braço Direito do Patriarcado”

O amor romântico tem o seu charme – flores, bilhetes, gestos apaixonados. Marcela não o demoniza; apenas pergunta: “Funciona para toda a gente?” Para ela, o modelo traz bagagem pesada: ciúmes como “prova de paixão”, posse disfarçada de entrega. “Desde o século XIX, aprendemos que o amor é exclusividade, que ciúmes é prova de paixão, que uma pessoa deve suprir todas as nossas necessidades. Mas nós somos complexas demais para uma só pessoa dar conta de tudo. O amor romântico faz-nos viver a fantasia de que, se não temos ‘o grande amor’, não temos nada.”

Segundo Marcela, isto é uma ilusão que sustenta o patriarcado e o capitalismo. “Os homens sempre puderam ter amantes; as mulheres eram apedrejadas. A monogamia nunca foi igualitária.” E continua: “A monogamia assegura o controlo reprodutivo. Garante que as mulheres ficam em casa a cuidar dos filhos, que um dia serão mão-de-obra. Crianças criadas para trabalhar, mulheres para reproduzir.”

O que Marcela faz, garante, não é um ataque às pessoas em relações monogâmicas. “É um ataque à estrutura.” Para ela, a monogamia não é um capricho pessoal, é um sistema com data de nascimento, endereço e função social. “A família nuclear é a célula-mãe do capitalismo. Sem ela, não há herança segura, não há linhagem, não há propriedade. O sistema perde o motor”. A monogamia, portanto, não nasceu do amor — nasceu da contabilidade.

Não-Monogamia ≠ Orgias

Marcela rejeita a ideia de que a não-monogamia banaliza a intimidade. “O que banaliza é descartar pessoas. A monogamia ensina: gostas de outra pessoa? Termina com a primeira. Como se o amor se evaporasse”. No lugar de vulgarizar as emoções, a não-monogamia amplia os afetos.

A não-monogamia não é um harém, nem um bilhete para festas sem fim. É, acima de tudo, uma porta aberta. “Não é sexo compulsório, é possibilidade. Há pessoas assexuais que são não-monogâmicas”, lembra Marcela. “Podes escolher estar com uma só pessoa de forma afetivo/sexual por vontade própria, não porque a sociedade te empurrou para dentro de uma caixa com o rótulo ‘casal’”.

Na prática, a coisa é simples e revolucionária ao mesmo tempo. Queres viajar sozinha? Vai, sem ter de dar explicações. Preferes morar com amigos em vez do namorado? Perfeito, a casa pode ser o teu refúgio, não o próximo passo obrigatório depois do “estamos juntos”. E no Dia dos Namorados nada te impede de celebrar com a tua melhor amiga, aquela que te conhece desde a infância e te faz rir até doer a barriga. Não há guião; há autonomia.

“Dois Adultos para Uma Criança? É Muito Pouco”

A maternidade chegou para Marcela em 2019 e logo se transformou num laboratório vivo de não-monogamia. Quando a pandemia explodiu, o filho tinha apenas oito meses: “Dois adultos cuidando de uma criança é muito pouco”, observa. A família nuclear, que a monogamia idealiza, revelou-se frágil. Mesmo dividindo tarefas com o marido, sentiu-se sobrecarregada e isolada. 

Foi então que a não-monogamia ganhou novos contornos: deixou de ser sobre parceiros e passou a ser sobre comunidade. Marcela evoluiu do poliamor para a anarquia relacional – sem hierarquias, só múltiplos afetos. “Em vez de depositar o peso do mundo num único ombro, constróis redes de apoio”. Hoje, separada há dois anos, vive sozinha em Lisboa, mas nunca se sentiu tão acompanhada: “Em dois minutos estou em casa de alguém”. Quando uma pessoa falta – por trabalho, distância, ou simplesmente porque precisa de espaço –, outra está lá. Não é substituição; é complemento. Ninguém é “melhor”; cada um serve num determinado momento.

O Futuro? Livros Infantis e Habitação Partilhada

Marcela tenciona escrever um livro infantil sobre não-monogamia: “As crianças não têm preconceitos; absorvem dos adultos.” Enquanto isso, forma terapeutas, escreve para a imprensa e equilibra maternidade com militância suave. Colabora com a cooperativa Rizoma, em Arroios, onde alimenta o sonho de vir a viver num regime de habitação partilhada.

“Não sou guru”, avisa. “Mostro caminhos. Apesar dos percalços, vale a pena.” Num mundo de Tinder e burnout relacional, Marcela Aroeira é o lembrete: amar plural não é caos, é segurança. E se o teu coração ficou curioso, o @amores_plurais tem café quente e respostas sem julgamento. Porque, no fim, o conto de fadas és tu quem escreve – com quantos príncipes, princesas ou dragões quiseres.

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