De voluntária a empreendedora social, Paula Carramaschi Gabriel lidera projetos que conectam comunidades, empresas e sustentabilidade, impulsionando iniciativas que transformam realidades locais
Entre o burburinho urbano de Manaus e os rios que cortam a cidade, Paula Carramaschi Gabriel enxerga uma Amazónia diferente da imagem que muitos têm. Não é só floresta, nem apenas comunidades indígenas isoladas. Existe a Amazónia urbana, onde a maioria da população vive, enfrentando diariamente falta de saneamento, transporte precário e água limitada. Mas para além de todos os desafios encontrados nas principais cidades brasileiras, Manaus pulsa cultura, gastronomia, turismo, projetos e sonhos. É nesse cenário que ela procura ser ponte entre comunidades, empresas e recursos internacionais, liderando projetos que geram impacto real e visível.


Da formação académica ao empreendedorismo
Paula nasceu em São Paulo e, desde cedo, foi incentivada pelos pais a envolver-se em voluntariado. Durante a faculdade de Relações Internacionais, ela participou em diversos projetos académicos e sociais, despertando ainda mais o seu interesse em causas comunitárias.
Foi então em 2012 que surgiu a oportunidade de atuar como voluntária na Fundação Amazónia Sustentável (FAS), inicialmente na área de captação de recursos. Após três meses de trabalho voluntário, Paula foi contratada, dando início a uma trajetória que a levaria pela primeira vez a Manaus e à imersão em comunidades ribeirinhas e indígenas do Rio Negro. “Foi quando tomei banho de rio, joguei bola na comunidade, comi comidas típicas do Amazonas… e me encantei”, lembra, numa entrevista realizada à GOB.
Em 2015, ela mudou-se para Manaus para criar a área de Cidades Sustentáveis – uma das metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU – respondendo ao sonho do fundador da FAS, Virgílio Viana, de expandir o impacto da fundação para o ambiente urbano. Sob a sua coordenação, surgiram iniciativas como a Virada Sustentável – primeiro evento do género fora de São Paulo e que já está na 11a edição – reunindo comunidades, empreendedores e artistas em torno de feiras criativas, atrações musicais e ações de consciencialização ambiental. Mais de 30 empreendedores e 2000 participantes regulares movimentavam esses eventos, fortalecendo a economia criativa local e oferecendo oportunidades de geração de rendimento.
Paula conta-nos que procurou conhecimento e inspiração fora do Brasil. “Fui fazer um Mestrado em liderança estratégica para sustentabilidade na Suécia. A Benevolência é uma consultoria que existe desde 2021, mas mais fortemente desde 2023, quando voltei a morar em Manaus, depois do Mestrado”, lembra. Também fez um MBA em gestão de projetos, procurando unir experiência empresarial e trabalho social. Para Paula, a transformação não se faz apenas com ordens: “É mais fácil você ser um chefe que decide tudo, mas eu não acredito muito nessa transformação onde as pessoas só recebem ordens. Eu me especializei em facilitação de grupos. Você chega numa comunidade, escuta o que eles precisam e busca recursos para realizar os sonhos dessas pessoas.”


Projetos que transformam vidas: uma Amazónia além da floresta
Quando iniciamos a conversa, ela fez questão de diferenciar Amazonas da Amazónia: “É muita pretensão falar da Amazónia, porque ela engloba nove estados do Brasil e outros nove países. Minha vivência é muito mais o Amazonas, especialmente Manaus, e alguns municípios do interior do Amazonas.”
A pensar nessa Amazónia urbana, um dos projetos mais emblemáticos que ela acompanha é o Reusa, no bairro Redenção. Lá, mulheres lideradas por Cristina – que superou perdas e desafios pessoais – transformam banners e garrafas PET em bolsas e artesanatos, gerando rendimento e consciência ambiental. No trecho do Igarapé próximo, o rio é limpo, um contraste com a maioria dos rios urbanos de Manaus, poluídos e negligenciados. “A dona Cris entendeu a importância de não jogar lixo no rio. É um esforço de cada pessoa que, somado, transforma o ambiente e a vida da comunidade”, explica. A parceria com a AEGEA (Águas de Manaus), empresa de saneamento, trouxe água limpa e infraestrutura básica, consolidando o Reusa como centro comunitário de aprendizagem e produção.
Já no Tarumã Alive, festival anual que celebra o último rio vivo de Manaus, Paula participa em consultas às famílias que vivem na comunidade flutuante da Marina do Davi e no Parque das Tribos, mapeando prioridades de transporte, educação e saúde. O evento consciencializa sobre a preservação do rio e a importância do saneamento, reforçando que o cuidado com o ambiente é coletivo e necessário para a sobrevivência da cidade e da floresta.
Ela enfatiza a importância de projetos sociais, como projetos que aumentem a geração de rendimento: “As pessoas estão passando fome. Não tem como falar de projetos ambientais sem antes passar pelo social, para que as pessoas melhorem a qualidade de vida. Você precisa tirar essa pessoa da linha da pobreza para que ela tenha força para se envolver em outros projetos. Se ela não tem o que comer, como vai se concentrar em outra coisa? O clima, o social e o cultural estão interligados.”


Do Amazonas Urbano ao Rural
O trabalho de Paula também se estende ao interior do Amazonas. Em Beruri, por meio do Instituto Arumã, Fundação Swarovski e FAS, acontece o projeto Escola D’Água, onde comunidades isoladas passaram a ter acesso a água potável através de sistemas de bombeamento de água do rio movidos a energia solar. A iniciativa inclui a construção de poços artesianos, construção de escolas e formação de professores e jovens na temática da água e educação ambiental, garantindo saneamento, saúde e oportunidades. Paula explica: “Quando você desenvolve um trabalho de muitos anos numa mesma comunidade, constrói-se uma relação de confiança e qualidade, e é aí que você consegue pensar em projetos mais amplos que depois podem gerar renda para as famílias.”
Outro projeto que ela acompanhou de perto foi o de bioeconomia coordenado pela ASSOAB (Associação dos Produtores e Beneficiadores Agroextrativistas de Beruri), voltado para famílias que produzem castanhas e óleos vegetais do Tucumã, Andiroba e Murumuru. O objetivo é garantir que os produtos sejam vendidos a preços justos, evitando intermediários exploradores e fortalecendo a autonomia das comunidades. Paula enfatiza: “Essas mulheres enfrentam desafios climáticos, mas transformam a floresta em oportunidade de renda justa, sem desmatar, sem prejudicar o ambiente.”


Transformação sustentável: do planejamento à autonomia das comunidades
Ela também se inspira nas Nature-Based Solutions, soluções baseadas na natureza, que procuram resolver problemas humanos de forma sustentável, utilizando os recursos e a inteligência dos ecossistemas. Paula explica que essas soluções são cada vez mais valorizadas. “A ideia é encontrar respostas para problemas da humanidade diretamente na floresta, sem degradar o ambiente”, afirma. Ela ressalta que esse olhar se torna ainda mais urgente diante de decisões do governo, como a autorização para exploração de petróleo na Foz do Amazonas, no Amapá, pouco antes da COP de Belém. “Enquanto discutimos sustentabilidade globalmente, algumas ações políticas vão na contramão, colocando em risco biodiversidade e comunidades locais”, destaca.
Quando questionada sobre como mede o sucesso de um projeto, Paula é enfática: “O projeto que funciona é aquele que podemos ir embora e ele continua. Não é só sobre quantos recursos foram aplicados, mas sobre a autonomia que as comunidades conquistam para manter o impacto.”
Porém, a logística amazónica e desigualdade social apresentam desafios constantes. Secas extremas, isolamento de comunidades e falta de infraestrutura básica exigem planejamento estratégico e cuidado com os envolvidos. “Às vezes, terminar o projeto hoje é vital, senão o rio seca e o barco fica preso. As pessoas não têm dimensão disso”, relata Paula.
No entanto, ela acredita que a transformação social é possível quando há visão, dedicação e conexão genuína com as pessoas. Transformar a Amazónia é revitalizar rios urbanos, fortalecer comunidades, gerar rendimento justo e criar infraestrutura essencial. Do Reusa ao Tarumã Alive, de Manaus ao Purus, através de seu trabalho, ela procura ser a ponte que conecta recursos, conhecimento e pessoas. O fio condutor é a escuta, a facilitação e o cuidado: “Você muda uma comunidade construindo o que ela realmente precisa.” E é nesse cuidado, nessa escuta atenta, que a Amazónia urbana, florestal e ribeirinha respira, viva e sustentável.
“É muito sobre colaborar, sobre sociedade civil, sobre fazer as coisas acontecerem de forma justa, para que todos possam continuar. É um ciclo que precisa se manter, e a Amazónia depende disso”, conclui Paula.

