Bajaus: Os Nómadas do Mar e a Vida em Harmonia com o Oceano

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Conhece a tribo que vive sobre as águas e que desenvolveu adaptações únicas para respirar sob o mar

Imagine um povo que passa mais tempo dentro de água do que em terra firme. Um povo que caça, dorme e vive sobre o mar. Falamos dos Bajaus, também conhecidos como “nómadas do mar” — uma comunidade fascinante que desafia os limites da adaptação humana e mantém viva uma cultura moldada pelas marés.

Os Bajaus habitam a região marítima do Sudeste Asiático, principalmente nas Filipinas, Malásia e Indonésia. Tradicionalmente, vivem em casas flutuantes ou palafitas, movendo-se de ilha em ilha conforme as condições do mar e as oportunidades de pesca. Durante séculos, viveram praticamente sem fronteiras, navegando livremente pelas águas do arquipélago malaio.

Adaptação Biológica: Um modo de vida entre o mar e o céu

A vida dos Bajaus está profundamente entrelaçada com o oceano. Desde crianças, aprendem a mergulhar e a sustentar a respiração por longos períodos de tempo. Muitos mergulham até 70 metros de profundidade para caçar peixes e polvos, usando apenas óculos de madeira e arpões manuais.

O mais impressionante? Pesquisas científicas revelaram que os Bajau possuem uma adaptação biológica única que os torna excepcionais em mergulhos prolongados. Um estudo publicado na revista Cell identificou uma mutação genética no gene PDE10A, responsável pelo aumento do tamanho do baço. Esta alteração permite que os Bajaus armazenem mais glóbulos vermelhos, aumentando a quantidade de oxigénio disponível durante os mergulhos. Em média, o baço dos Bajaus é 50% maior do que o das pessoas comuns.

Esta adaptação é observada tanto em mergulhadores experientes quanto em membros da comunidade que não praticam o mergulho, indicando que a característica é genética e não adquirida por treino. Além disso, esta descoberta destaca como a evolução humana pode ser moldada por práticas culturais específicas, como o mergulho livre, ao longo de gerações.

Conexão Profunda com o Oceano

Os Bajaus não veem o mar apenas como fonte de alimento, mas como um ser vivo e espiritual, um espaço sagrado e central na sua vida quotidiana. As suas crenças incluem rituais de agradecimento às águas e aos espíritos do oceano, pedindo proteção para as viagens e abundância na pesca. Muitos acreditam, inclusivamente, que os espíritos dos ancestrais, conhecidos como *Mbombongana lao*, governam o mar e protegem a comunidade.

Para eles, o mar representa abundância e equilíbrio, um símbolo de que a natureza oferece tudo o que é necessário para viver, desde que seja respeitada. Por isso, para os Bajaus, a escassez é uma ideia quase impensável: acreditam que, enquanto cuidarem do oceano, ele continuará a providenciar alimento e abrigo.

Rituais, como bênçãos para novos barcos, cerimónias para proteger os pescadores e celebrações de agradecimento pelas colheitas do mar são muito comuns. Estas práticas reforçam a ideia de que os Bajaus não dominam o mar, mas vivem antes em harmonia com ele.

Essa relação de respeito profundo reflete-se nas suas práticas sustentáveis. Eles apenas pescam espécies que já atingiram a maturidade e evitam o uso de técnicas predatórias. Quando precisam de madeira, coletam apenas galhos secos, preservando os manguezais que os protegem e sustentam a vida marinha ao redor. Essa consciência ecológica, transmitida de geração em geração, faz dos Bajaus um exemplo raro de coexistência harmoniosa entre cultura humana e ecossistema.

Além disso, a música e a dança também desempenham papéis essenciais na sociedade Bajau. Durante festivais e celebrações, eles expressam a sua identidade e história através de canções tradicionais e danças comunitárias. Essas manifestações culturais não apenas fortalecem os laços sociais, como também servem como meio de transmissão de conhecimentos e valores entre gerações.

Resiliência Frente aos Desafios Modernos

Hoje, muitos Bajaus vivem em comunidades semi-fixas, tentando equilibrar a vida nómada e a integração com o mundo moderno, seguindo essa filosofia de adaptação constante. 

Casas, barcos e pontes são reconstruídos sempre que necessário, refletindo uma mentalidade fluida — a mesma flexibilidade que o mar ensina. Cada membro da comunidade tem um papel, mas também a liberdade de assumir novas funções conforme as marés da vida: alguns jovens estudam e buscam novas oportunidades, ao passo que outros mantêm vivas as tradições da pesca e da construção naval artesanal, e outros há que se unem a programas de conservação marinha ou assumem cargos públicos, levando adiante o espírito de proteção do oceano.

Apesar da sua forte conexão com o mar, os Bajaus enfrentam desafios significativos no mundo moderno. Pressões governamentais para sedentarização, mudanças climáticas que afetam os seus habitats marinhos e a degradação ambiental acelerada ameaçam o seu modo de vida tradicional. No entanto, a comunidade Bajau tem demonstrado uma notável resiliência, adaptando-se às circunstâncias sem perder as suas raízes culturais.

Em 2004, os Bajau — muitas vezes chamados de ciganos do mar — foram forçados a abandonar os recifes onde viviam há séculos, sendo relocalizados em terra firme, principalmente na região do Bornéu. Oficialmente, a medida foi apresentada como uma forma de “proteger” os recifes de coral da atividade humana. No entanto, essa justificação é hoje amplamente questionada.

Pesquisadores e organizações de direitos humanos afirmam que o discurso ambiental esconde interesses económicos e políticos. Aliás, pouco tempo após a retirada dos Bajau, surgiram, naquelas mesmas áreas, resorts de luxo, com bungalows sobre as águas — ironicamente, erguidos sobre os recifes que os Bajau foram proibidos de habitar. Ou seja, o que antes era considerado uma ameaça ecológica, passou a ser promovido como uma experiência turística exclusiva.

Para um povo cuja cultura, espiritualidade e sustento estão ligados ao oceano, perder o direito de viver sobre as águas foi como perder parte da sua identidade. Ainda assim, muitos Bajaus resistem, preservando as suas tradições, como a construção artesanal de barcos e práticas de pesca sustentável, fundamentais para manter as suas raízes e garantir a continuidade da sua cultura. Além disso, a transmissão oral de histórias, mitos e conhecimentos ecológicos continua a ser uma ferramenta vital na educação das novas gerações.

Lições dos Bajaus: Harmonia com a Natureza

A cultura resiliente dos Bajaus oferece valiosas lições sobre como os seres humanos podem viver em harmonia com o meio ambiente. A sua adaptação biológica ao mergulho, aliada a uma profunda espiritualidade e práticas culturais sustentáveis, demonstra uma compreensão intrínseca da interdependência entre seres humanos e natureza.

Num mundo cada vez mais urbanizado e desconectado dos ecossistemas naturais, os Bajaus lembram-nos a importância de respeitar e preservar os ambientes que nos sustentam, representando um elo vivo entre o corpo, o oceano e o espírito — uma verdadeira cultura anfíbia que nos convida a repensar o que significa viver em harmonia com o planeta.

Os Bajaus acreditam que o mar é uma extensão de si mesmos — e talvez, no fundo, seja mesmo. Afinal, cerca de 60% do corpo humano é composto por água. Talvez sejamos todos, de alguma forma, seres do oceano.

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