Entre o Véu e o Fogo — A Origem Esquecida do Halloween

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Entre mitos antigos e rituais esquecidos, o Halloween revela a sua verdadeira origem: uma celebração do ciclo da vida, da morte e da natureza.

Muito antes de se tornar sinónimo de fantasias, doces e filmes de terror, o Halloween era uma celebração profundamente espiritual. As suas raízes remontam ao antigo festival pagão celta de Samhain (pronuncia-se “sow-in”), celebrado há mais de dois mil anos nas regiões que hoje correspondem à Irlanda, Escócia e parte de Inglaterra.

O Samhain marcava o fim da colheita – momento em que os povos celtas guardavam as últimas colheitas no final do outono – e o início do inverno, um período de transição entre luz e escuridão, vida e morte. Os celtas acreditavam que, nessa época do ano, o véu entre os mundos dos vivos e dos mortos tornava-se mais fino, permitindo que os espíritos atravessassem a fronteira entre a vida e a morte. Era o momento de honrar os antepassados, realizar rituais de proteção e agradecer à terra pelos frutos colhidos.

A referência ao Samhain aparece em manuscritos medievais irlandeses, como o Book of Leinster e o Tochmarc Emire, que descrevem a data como um tempo em que portais para o Outro Mundo se abriam. Arqueólogos também encontraram vestígios de fogueiras rituais e oferendas agrícolas que coincidem com o período do festival, reforçando a sua importância como celebração comunitária e espiritual.

As fogueiras eram acesas nas colinas para afastar energias negativas e guiar os espíritos benevolentes. As pessoas deixavam alimentos à porta de casa como oferenda aos visitantes do outro mundo — uma prática que, séculos depois, daria origem à tradição do “doce ou travessura”.

Da Espiritualidade à Cristandade

Com a expansão do cristianismo, o Samhain foi reinterpretado pela Igreja como o Dia de Todos os Santos, celebrado na véspera do dia 1 de novembro. A nova data visava substituir os antigos rituais pagãos por celebrações cristãs. No entanto, o simbolismo da noite de 31 de outubro — o contacto com o invisível, o respeito pelos mortos, o poder das sombras — permaneceu enraizado no imaginário popular.

Com o tempo, as tradições migraram para a América do Norte, onde o Halloween assumiu a forma moderna: festas, fantasias, abóboras esculpidas e uma atmosfera de diversão e mistério. Mas sob a superfície comercial ainda pulsa o eco das antigas cerimónias celtas — o chamado à introspecção e à reverência pelos ciclos da natureza.

O Verdadeiro Significado das Bruxas

As bruxas, hoje retratadas como figuras assustadoras, eram originalmente curandeiras, parteiras e guardiãs do conhecimento natural. Elas compreendiam os ciclos lunares, as propriedades das plantas e o poder simbólico dos elementos. 

Os seus “feitiços” eram, muitas vezes, práticas de cura e autocuidado — infusões de ervas, rituais de purificação, rezas e invocações para proteção e equilíbrio.

Durante a Idade Média, o medo do feminino e da sabedoria ancestral levou milhares dessas mulheres a serem perseguidas, torturadas e queimadas em nome da fé. A figura da bruxa passou a representar o “perigo” da mulher autónoma e conhecedora dos mistérios da vida e da morte. 

Nos últimos anos, esse arquétipo tem sido resgatado como símbolo de empoderamento, intuição e reconexão com o sagrado feminino. Bruxaria, na sua essência, nunca foi sobre maldição — mas sim sobre reverência à natureza e ao poder transformador da intenção.

Símbolos e Rituais Ancestrais

Cada elemento do Halloween tem origem em práticas muito mais antigas. 

As abóboras iluminadas substituíram os nabos esculpidos pelos celtas, usados para afastar espíritos malignos. As velas representavam o fogo sagrado que guiava as almas. As maçãs, tradicionalmente associadas à deusa celta do amor e da sabedoria, eram usadas em jogos de adivinhação, especialmente por jovens que procuravam visões sobre o futuro. O fogo, presente em todas as celebrações do Samhain, simbolizava a luz que resiste à escuridão — tanto literal quanto interior. Era o momento de se reunirem à volta da chama, refletir sobre o ciclo que se encerrava e preparar o espírito para o inverno, tempo de recolhimento e introspecção.

Hoje, práticas contemporâneas inspiradas no Samhain, buscam resgatar esse sentido original: meditações sob a lua, banhos de ervas, cartas de gratidão aos ancestrais e rituais de limpeza energética são formas simbólicas de reconectar-se com o que foi e abrir espaço para o novo.

O Verdadeiro Feitiço

Celebrar o Halloween pode ser mais do que vestir uma fantasia ou decorar a casa. Pode ser um convite para reconhecer a importância do ciclo da vida e da morte, da luz e da sombra, do visível e do invisível.

É uma oportunidade de silenciar o ruído moderno e ouvir as vozes antigas que ainda sussurram sob a lua — lembrando-nos que cada fim é também um recomeço. Mais do que um dia de sustos, o Halloween pode ser um ritual de reconexão. Uma celebração da intuição, da natureza e da memória daqueles que vieram antes de nós.

Talvez o verdadeiro feitiço do Halloween seja mesmo esse: lembrar quem fomos para entender quem somos.

Para Saber Mais:

Caso tenhas curiosidade em aprofundar o tema e explorar as origens históricas, espirituais e culturais do Halloween, aqui estão algumas leituras e fontes que ajudam a compreender melhor as suas múltiplas camadas — do Samhain celta às representações modernas da bruxaria:

  • The Encyclopedia of Celtic Mythology and Folklore — Patricia Monaghan
  • The Pagan Origins of Halloween — National Geographic
  • Samhain: The Roots of Halloween — The Celtic Connection
  • Women, Witches and Witch-Hunts — Silvia Federici
  • The Witch: A History of Fear, from Ancient Times to the Present — Ronald Hutton

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