A beleza que denuncia: o culto do corpo como linguagem do inconsciente

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Entre procedimentos estéticos e escolhas naturais, o corpo feminino revela sintomas, desejos e conflitos que vão muito além da aparência

Por Daniela Branco

Investir em botox ou deixar os cabelos brancos? Nenhuma destas escolhas define quem és. Mas ambas podem dizer muito sobre o que está em jogo no teu mundo interno.

A estética que escolhemos carrega camadas psíquicas que, muitas vezes, passam despercebidas no discurso social. A busca por uma imagem idealizada do feminino pode esconder uma tentativa de controlo. Um pacto silencioso com a juventude eterna. Um modo de negar o tempo. De domesticar o medo da decadência. De calar o corpo e domá-lo diante do que mais nos assusta: a passagem inevitável da vida.

Juventude eterna ou rebeldia performática?
Por outro lado, abrir mão dos procedimentos também pode ser uma forma de rebeldia performática. Um protesto com data e hora para ser notado. Uma maneira de afirmar independência aos movimentos das massas quando, no fundo, ainda se deseja ser vista. 

Não é incomum encontrarmos mulheres que pregam o desapego estético como um novo modelo de autoestima, mas que, por trás da naturalidade, ainda carregam exigências dolorosas. É um paradoxo: abrir mão da estética no mundo de hoje e ainda assim se sentir vista e desejada fora do padrão criado por um sistema que padroniza a beleza e transforma a mulher em objeto.

A psicanálise não moraliza escolhas. Ela não vai dizer o que é certo ou errado. Ela investiga. Escuta o que há por trás do gesto. Interroga o desejo por trás da imagem. O que silencia o botox? O que gritam os cabelos brancos? A estética é um discurso do inconsciente sobre o corpo. E o corpo, para além de visual, é sempre simbólico. Existe ali uma mulher que não quer apenas parecer algo. Ela quer existir de alguma forma possível. Quer sustentar a sua presença no mundo e habitar uma forma.

Quando uma mulher muda o corte, pinta o cabelo, marca uma sessão de estética ou decide não fazer nada, algo está em jogo. Algo está se reorganizando por dentro. O corpo torna-se, então, uma extensão da psique. Um território onde os conflitos se inscrevem. Onde o que não pode ser dito com palavras encontra forma na pele, no rosto, no espelho. É por isso que a estética nunca é neutra. É sempre carregada de sentido.

O problema não está em fazer procedimentos estéticos. E nem em evitá-los. O problema está em fazer sem saber porquê. 

Em repetir um gesto vazio. Em perseguir uma imagem que não dialoga com o desejo real. A grande pergunta que a análise propõe não é se estás bonita ou natural, jovem ou madura, vaidosa ou desprendida. A pergunta é: Estás conectada com o que tu queres? Reconheces-te no que estás a projetar? Estás a cuidar da tua aparência ou a tentar esconder alguma dor? Ou será que estás a tentar ser aceite no padrão estabelecido pelo patriarcado?

Estética como prazer, sintoma ou pedido de socorro
A estética pode ser uma ferramenta de prazer. Pode ser uma reinvenção. Pode ser simplesmente liberdade. Mas também pode ser um sintoma. Um pedido de socorro camuflado de autocuidado. E é por isso que não existe uma resposta pronta para a mulher contemporânea. Não existe uma escolha correta. Existe escuta. Existe elaboração. Existe um processo de tornar-se alguém. Como dizia Simone de Beauvoir: “Não se nasce mulher, torna-se mulher”.

Na clínica, com mulheres, é comum ver o quanto estas decisões externas – como fazer preenchimento, assumir os grisalhos, tirar ou não a maquilhagem, esconder ou realçar o corpo -, estão coladas a dores profundas. Relações mal resolvidas com o envelhecimento, com a maternidade, com o próprio desejo. Memórias antigas de quando o corpo começou a ser avaliado, rotulado, usado como medida de valor. O corpo ainda é um campo de disputa para muitas mulheres. E aprender a habitá-lo com mais verdade, mais cuidado e menos julgamento é, em si, um ato político e psíquico.

Se estás a repensar a tua relação com a estética, talvez não precises de uma nova tendência. Talvez só precises de um tempo para escutar o que o teu corpo quer dizer. Porque, no fim das contas, a forma mais bonita de beleza ainda é estar inteira dentro da própria escolha.

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