Terapias assistidas com psicadélicos estão a transformar a saúde mental 

De tema tabu a tratamento convencional: pesquisas científicas apontam o potencial dos psicadélicos na psiquiatria moderna

Antes de se tornarem bandeira da contracultura dos anos 1960, os psicadélicos já tinham circulado em territórios improváveis.

Nos anos 1950, foram usados em programas militares secretos, testes com soldados e até prescritos a donas de casa como supostos “tratamentos para ansiedade”. Em breve, voltaremos a este capítulo esquecido — o das drogas e da guerra — para entender como os mesmos compostos usados em laboratórios militares acabaram por inspirar revoluções culturais e terapêuticas. A jornalista canadiana Zoe Cormier, especialista na “ciência do sexo, drogas e música”, mergulha justamente nessa linha ténue entre prazer, controlo e experimentação, que abordaremos mais à frente, em outro post.

O LSD, o DMT e outros compostos passaram de instrumentos da guerra fria a promessas de cura espiritual — antes de serem empurrados para a sombra pela moral e pela política.

Por décadas, os psicadélicos ficaram associados ao caos e à rebeldia, proibidos por governos e tratados como tabu pela ciência. Mas, agora, eles regressam a um novo palco: o da terapia assistida, onde a substância não é o fim, mas sim o meio – mostrando resultados que desafiam os limites da psiquiatria tradicional.

O processo não é apenas sobre a substância, mas sobre a integração terapêutica: antes, durante e depois da experiência, existe um acompanhamento que transforma a vivência em insights aplicáveis ao quotidiano.

Nos estudos clínicos com psicadélicos (como DMT, psilocibina ou MDMA), tudo acontece num ambiente cuidadosamente preparado: iluminação suave, música selecionada, um ou dois terapeutas presentes e suporte médico disponível. O objetivo é criar um espaço seguro e acolhedor, onde o participante possa explorar emoções profundas sem medo ou distrações externas.

Fase de preparação

Antes da sessão, existe uma fase de preparação. O participante conversa com a equipa terapêutica, define intenções, compreende os possíveis efeitos da substância e aprende estratégias de regulação emocional. Essa etapa é crucial — estudos mostram que a preparação adequada reduz a ansiedade e melhora a qualidade da experiência.

Durante a sessão

Durante a sessão, os terapeutas não intervêm diretamente; eles “sustentam o espaço”.

A ideia é permitir que a mente se expresse livremente, enquanto a presença humana transmite segurança.

Os relatos descrevem percepções intensas de interconexão, lembranças vívidas, insights emocionais e até reconciliações internas — tudo num estado alterado de consciência, mas com total suporte clínico.

Integração

Depois da experiência vem a integração, talvez o momento mais importante.

É aqui que o conteúdo simbólico, emocional ou espiritual vivido durante o estado de transe é traduzido em aprendizagens práticas. A integração pode envolver terapia verbal, escrita reflexiva, práticas corporais ou mindfulness.

A meta não é “reviver” o psicadélico, mas incorporar o que foi descoberto — seja uma nova percepção sobre si mesmo, o perdão de um trauma, ou uma clareza sobre o sentido da vida.

Por outras palavras, o valor terapêutico não está apenas no que se sente, mas no que se compreende e se transforma depois – o psicadélico é a porta; o trabalho terapêutico é o caminho.

Este modelo — preparação, experiência, integração — é o que diferencia as terapias assistidas por psicadélicos de qualquer uso recreativo.

O que dizem as pesquisas?

Nos últimos 20 anos, um verdadeiro “renascimento psicadélico” está a acontecer, liderado por universidades e institutos de ponta:

  • Psilocibina e depressão: Um estudo publicado no New England Journal of Medicine (2021) mostrou que pacientes com depressão resistente tiveram melhoras significativas após apenas duas sessões com psilocibina, em comparação com antidepressivos tradicionais.

  • MDMA e PTSD: Pesquisas da Multidisciplinary Association for Psychedelic Studies (MAPS) indicam que, em ensaios clínicos de fase 3, 67% das pessoas com perturbação de stress pós-traumático (PSPT) deixaram de preencher os critérios para o diagnóstico após três sessões de terapia assistida com MDMA.

  • LSD e ansiedade existencial: Ensaios clínicos na Suíça sugerem que doses controladas de LSD reduziram significativamente a ansiedade associada a doenças potencialmente fatais, oferecendo alívio emocional e melhoria na qualidade de vida.

  • DMT: Nos últimos anos, a molécula psicadélica presente na ayahuasca tem sido alvo de investigações clínicas promissoras. Ensaios controlados mostram que doses intravenosas ou vaporizadas podem provocar estados intensos e breves de consciência que, em alguns participantes, correlacionaram-se com melhorias rápidas de humor e de sintomas depressivos. Estes resultados abriram uma nova linha de investigação: protocolos de micro-intervenção (sessões curtas, monitorizadas) que procuram reduzir sintomas em horas/dias. 

  • Quetamina/Esketamina e depressão resistente: Embora tecnicamente não seja considerada um psicadélico clássico, estudos recentes demonstram efeitos rápidos e robustos da quetamina no alívio de sintomas depressivos, muitas vezes em poucas horas. Em 2023, um estudo publicado na New England Journal of Medicine avaliou o uso de esketamina (uma forma da quetamina) em pacientes com depressão resistente, mostrando taxas significativas de remissão em comparação ao placebo, e ressaltando seu papel promissor como terapia de intervenção rápida em casos agudos.

A psicoterapia do futuro?

As terapias assistidas com psicadélicos não devem ser vistas como uma solução mágica. Elas ainda enfrentam desafios — do estigma social à necessidade de formação adequada de terapeutas. No entanto, os resultados apontam para um futuro em que tratar a mente será menos sobre suprimir sintomas e mais sobre transformar experiências humanas profundas.

O futuro da saúde mental pode estar menos nos remédios tradicionais e mais em experiências transformadoras guiadas pela ciência. E tu, estarias disponível para expandires a tua consciência e, dessa forma, cuidares da tua mente?

Reconhecimento oficial e expansão global

O potencial terapêutico dos psicadélicos não passou despercebido pelas agências reguladoras. Em 2018, a FDA (Food and Drug Administration, EUA) concedeu à psilocibina o status de “Breakthrough Therapy” (“Terapia Inovadora”) para o tratamento da depressão resistente — uma designação dada apenas a medicamentos com resultados promissores em condições graves e sem resposta a tratamentos convencionais. Esse reconhecimento abriu caminho para mais ensaios clínicos e acelerou o processo de aprovação. 

Desde então, a Austrália tornou-se o primeiro país a autorizar médicos a prescreverem psilocibina (para a depressão) e MDMA (para PTSD) em contextos terapêuticos, a partir de 2023. No Canadá e nos Estados Unidos – estados como Oregon e Colorado – legalizaram a psilocibina para uso supervisionado.

Na Europa, o Reino Unido lidera pesquisas, enquanto a Suíça foi dos primeiros países a disponibilizar tratamentos com psicadélicos — desde 2014 —, mas a realidade está a mudar. Em Portugal, por exemplo, já se está a fazer tratamentos assistidos com psicadélicos. a Clínia Liminal Minds assume ser a primeira clínica em Portugal de terapias assistida por psicadélicos, desde 2022.

Em 2023, a União Europeia deu um passo inédito ao financiar, com 6,5 milhões de euros, um consórcio de 19 parceiros, incluindo a Fundação Champalimaud (FC) em Portugal. 

O projeto PsyPal irá investigar a utilização da psilocibina sintética — substância presente em cogumelos “mágicos” — em conjunto com acompanhamento psicoterapêutico no alívio de sintomas de depressão e ansiedade e, ao mesmo tempo, melhorar a qualidade de vida de pessoas que enfrentam doenças graves, como doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC), esclerose múltipla (EM), esclerose lateral amiotrófica (ELA), Doença de Parkinson e outros tipos de parkinsonismo (DPA).

Este é o primeiro ensaio clínico europeu multicêntrico a testar uma substância psicadélica para este fim, envolvendo mais de 100 doentes em vários países. Cada participante será submetido a duas sessões de terapia, recebendo uma dose terapêutica (alta) ou uma dose de controlo (baixa) de psilocibina em ambiente clínico seguro.

Em agosto de 2025, ocorreu, precisamente, o recrutamento do primeiro paciente no PsyPal, sinalizando que a investigação sobre terapias psicadélicas entrou definitivamente no radar das instituições de saúde pública do continente europeu.

Com exceção do cancro, é também a primeira vez na Europa que se avalia a utilização de um psicadélico em doentes nos cuidados paliativos, o que torna este marco um capítulo inaugural na história da saúde mental europeia. 

Vale a pena lembrar que as terapias assistidas por psicadélicos devem ser conduzidas apenas em ambientes clínicos supervisionados por equipas qualificadas e em conformidade com a legislação local.

Esta expansão abre espaço para debates importantes sobre ética, segurança e acessibilidade: quem terá acesso a esses tratamentos? Como evitar a exploração comercial sem a devida responsabilidade científica? 

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